Filme do Dia: Entre Deus e o Pecado (1960), Richard Brooks


Entre Deus e o Pecado (Elmer Gantry, EUA, 1960). Direção: Richard Brooks. Rot. Adaptado: Richard Brooks, a partir do romance de Sinclair Lewis. Fotografia: John Alton. Música: André Previn. Montagem: Marjorie Fowler. Dir. de arte: Edward Carrere. Cenografia: William F. Calvert & Frank Tuttle. Figurinos: Dorothy Jeakins. Com: Burt Lancaster, Jean Simmons, Arthur Kennedy, Dean Jagger, Shirley Jones, Patti Page, Edward Andrews, John McIntire, Hugh Marlowe.
Anos 1920. Elmer Gantry (Lancaster) é um andarilho disposto a se fazer como pastor, apesar de sua queda pela bebida e pelas mulheres. Suas atenções se voltam para a Irmã Sharon Falconer (Simmons), que consegue impressionar pequenas multidões em igrejas de cidades acanhadas. Gantry convence Sharon a adentrar numa igreja de maior apelo em cidades grandes. Tudo é acompanhado pelo jornalista e vencedor do Pulitzer Jim Lafferts (Kennedy). Os representantes da igreja mais tradicional ficam divididos, mas Sharon é aceita. Apesar do sucesso inicial, o artigo ácido escrito por Lafferts e a cruzada moral hipócrita de Gantry junto aos prostíbulos provoca uma antiga amante sua, a prostituta Lulu Bains (Jones), que flagra Elmer num encontro secreto que havia armado para ele. Lulu tenta suborna-los, mas rejeita o dinheiro trazido por Sharon.  Com sua moral arrasada, Elmer e Sharon são vítimas de fiéis que se acreditaram enganados e publicamente humilhados. Tempos depois, Elmer e Sharon, que vivem uma relação amorosa, reiniciam a carreira, a partir de um local construído pela própria Sharon, afirmando que foram vítimas de calúnias. Apesar do sucesso da nova empreitada, um incêndio destrói o local e Sharon, que resiste a sair, morre. Elmer, com sua habitual vivacidade, parte novamente sem rumo.
Esse filme, mesmo traduzindo boa parte do ideário liberal dos “filmes de mensagens” produzidos por Stanley Kramer contemporaneamente, dos quais o próprio Brooks foi um dos pioneiros na década anterior, possui talvez algum diferencial com relação àqueles. É evidente o tom crítico com que o filme aborda, de forma cáustica, a hipocrisia religiosa, algo que já fica presente desde as cartelas iniciais, antes mesmo da apresentação dos créditos, porém  o filme tampouco deixa de demonstrar sua simpatia pelo carismático espertalhão vivido com brilho por Lancaster. Aliás, se tudo parecia bem definido até certo momento, sendo o jornalista o duplo não apenas de Sinclair Lewis mas do próprio narrador em termos de integridade moral, a partir de outro mesmo que ela não chegue a ser posta em questão, passa a ser configurada de forma mais complexa. E o divisor de águas na narrativa é justamente o momento em que Gantry e Sharon caem em desgraça. Não apenas Jim se posiciona de forma simpática com relação ao grupo que havia destruído em seu artigo, como Lulu se arrepende de ter entregue as fotos ao jornal. Quando Jim Lafferts afirma para o seu patrão o motivo para a recusa de ter aceito as fotos, oferecidas inicialmente por Lulu a ele, traduz mais do que nunca o tom humanista que o filme pretende instigar. Ele diz que naquele momento havia ficado tocado por Gantry ser humano como qualquer um. E é justamente com o cântico que inicia a sua ascensão meteórica no mundo religioso que Gantry se revitaliza ao final, ao abandonar o local da tragédia. Mais ambígua do que o confesso charlatão Gantry é Sharon, que aparentemente “cura”  um deficiente auditivo, para sua própria surpresa e se auto-imola em seu transe. Simmons, entre pudica e sensual, parece uma cópia de sua mais famosa contemporânea-conterrânea Elizabeth Taylor. O tom desafiador e iconoclasta com que Brooks descasca a hipocrisia puritana em termos de sexualidade e religião, ousada para a época, seria constante em sua carreira, como comprova o tardio À Procura de Mr. Goodbar (1977). Um dos elementos que chama a atenção é sua equiparação entre o universo do entretenimento (e por extensão do cinema) e os cultos religiosos, sobretudo aqueles que o filme pretende criticar. Assim, os bastidores apresentados das negociações e encenações que envolvem o universo religioso não ficam muito a dever à própria acidez com que o cinema descreveu ocasionalmente a si próprio. O filme pretende se posicionar em um degrau mais elevado do que esse mundo de farsa que o entretenimento carrega consigo? Talvez o olhar “condescendente” com que Jim Lafferts observa o ocorrido seja uma pista que sinalize em sentido oposto. Elmer Gantry Prod. para United Artists. 146 minutos.

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