Filme do Dia: Cada um Vive Como Quer (1970), Bob Rafelson
Cada um Vive Como Quer (Five
Easy Pieces, EUA, 1970). Direção: Bob Rafelson. Rot. Original:
Carole Eastman, baseado no argument de Eastman & Bob Rafelson. Fotogafia:
László Kovács. Montagem: Christopher Holmes & Gerald Shepard. Dir. De
arte:Toby Carr Rafelson & Walter Starkey. Figurinos: Bucky Rous. Com: Jack Nicholson, Karen Black, Billy Green Bush, Fannie Flag, Sally Struthers, Richard
Stahl, Lois Smith, Helena Kallianiiotes, Toni Basil, Susan Anspach, Ralph
Waite, Irene Dailey, William Challee, John P. Ryan.
Robert Dupea (Nicholson) é a ovelha
negra de uma aristocrática família de músicos, vivendo de bicos e sendo um
inverterado mulherengo, apesar de manter uma relação relativamente recorrente
com a tonta Rayette (Black). Um reencontro casual com sua irmã Tita (Smith) em
Los Angeles faz com que Robert se interesse em voltar a visitar a família e
rever o pai semi-inválido (Challee). A tensa relação com o irmão mais velho,
Carl (Waite) faz com que o contato amoroso com a amante e aluna desse,
Catherine (Anspach), torne-se igualmente problemática, enquanto sua irmã passa a se interessar pelo
enfermeiro do pai, Spicer (Ryan).
Primeiro filme a chamar a atenção do
realizador Rafelson, cuja carreira irregular, perderia o brilho de vez após os
anos 80 e que foi catapultado como produtor-realizador associado ao momento
contemporâneo de contra-cultura, sendo o filme bem mais convencional que Sem Destino (1969), com o qual é sempre irremediavelmente
comparado. Se, por um lado, é moderno o suficiente para abdicar de uma trilha
sonora e do sentimentalismo, retratando seus personagens de modo semelhante ao
pseudo-cinismo de seu chauvinista personagem principal, que cai como uma luva
em Nicholson, sendo seu primeiro filme de destaque como ator principal, por
outro tampouco deixa de tocar em temas caros ao melodrama familiar
hollywoodiano. Vai nesse sentido o tema da traição dentro da própria família e
o conflito entre gerações. Tudo, é bem verdade, apresentado de modo seco. Para
ficar em um exemplo basta pensar no “clássico” ajuste de contas entre pai e
filho, do qual somos poupados de qualquer incentivo maior ao lacrimogêneo pois
o pai não esboça nenhuma palavra ou
sentimento mais expressivo desde que sofreu um derrame. É evidente a simpatia
do filme pela anarquia e falta de cerimônia de seu protagonista e sua recusa a
aderir aos valores da família, considerados hipócritas e que mesmo sintomática
da época, tampouco é ausente da tradição melodramática nos seus mais diversos gêneros (filmes de John Ford,
Frank Capra, etc.; aliás um trecho de Do Mundo Nada Se Leva, do último é exibido em uma TV a certo momento). É claro
que também se faz presente aqui uma dimensão psicanalítica mais precisa que em
seus antecessores e que voluntariamente ou não deixa evidente a
relação entre a imaturidade de Robert com relação a assumir qualquer
relacionamento, selada mais uma vez ao final do filme, quando abandona a
companheira para ser carona de um caminhoneiro, e uma evidente ausência da
figura paterna. O dom natural do personagem de atrair e ser atraído por todas
as mulheres que lhe rodeiam gera alguns momentos de intimidade que hoje soam
forçados ou ao menos de longe tão bem conseguidos quantos os de Cassavetes ou
mesmo Huston em Cidade das Ilusões
(1972). E o mesmo pode ser dito da parvoíce do meio caipira no qual Robert está
inserido. O filme, no entanto, encanta em certos momentos pela beleza ocasional
de seus enquadramentos, seja logo ao início, quando Robert se encontra pela
primeira vez com a companheira, de uma mesma perspectiva que voltará a se fazer
presente no filme, na intensidade com que enquadra o melhor amigo de Robert com
um imenso horizonte ao fundo ou no posto de gasolina ao final. As canções auxiliam fortemente na composição
das personagens, sendo a música que Rayette escuta logo ao início, Stand by Your Man, sobre os sofrimentos
de uma mulher e a fidelidade a seu homem que, afinal, “nada mais é que um
homem”, sua própra tradução. Particularmente interessante é o momento no qual
Robert toca piano para a amante do irmão e recusa a acreditar que a executou
com sentimento, num perspicaz comentário que fala muito sobre os distintos
valores que separam a sua família e sua concepção idealizada de arte e o meio operário no qual vive, o qual tampouco
consegue se ajustar à perfeição. A
produtora ao qual Rafelson foi um dos sócios fundadores também produziu Sem Destino e A
Última Sessão de Cinema (1971),
de Bogdanovich. National Film Registry em 2000. BBS
Prod./Columbia Pictures Corp./Raybert Prod. para Columbia. 98 minutos.
Revisado e postado originalmente em 19/05/2016
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