Filme do Dia: Noites Longas, Manhãs Breves (1978), William Klein


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Noites Longas, Manhãs Breves (Grand Soirs, Petit Martins, França, 1978). Direção e Rot. Original: William Klein.
Fazendo uso de estratégias tipicamente observacionais, esse documentário, realizado na celebração da primeira década do movimento de Maio de 1968, tornar-se-ia uma referência inescapável a já extensa filmografia sobre o movimento. Impressiona a quantidade (e qualidade) do frenético dialogismo que parece ter tocado a todos no momento, mesmo se levando em conta o evidente recorte de um realizador que buscava grupos a conversar nas ruas ou debates intelectuais na academia. Tão sorrateiramente quanto chega também se evade – em umas poucas vezes com intromissão de alguém que está sendo filmado, seja através de uma mão direcionada à lente que filma ou a indagação se há autorização para ele se encontrar filmando. Os donos da palavra são predominantemente homens e jovens (alguns senhores também detém a palavra) como alertara Moreira Salles em sua revisão algo melancólica e pouco generosa No Intenso Agora, quando do cinquentenário do evento. E, ainda assim, as mulheres surgem em várias ocasiões, mesmo que sem o protagonismo habitualmente reservado aos homens (ao menos na versão mais reduzida do longa que é essa, existe uma outra aparentemente de quatro horas de duração, o que pode ter sido um recorte em termos de filmagem e/ou montagem) ou em ações menos visíveis, como cuidando de um grupo de crianças em uma creche criada para os pais-manifestantes, papel esse que também é reservado a vários homens. Em outro momento participando mais ativamente das discussões e em número equiparável ao dos homens. E numa cena particularmente constrangedora, uma das poucas (senão a única) a ser observada diante de uma assembleia tem seu pronunciamento repetido pelo homem que se encontra a seu lado, provavelmente por ter um voz mais possante, mas que aos olhos de hoje, meio século após, poderia soar, à primeira vista, como uma tradução necessário ao lugar de fala no poder. Percebe-se facilmente a extensão com que os residentes de Paris começaram a debater sobre sua situação social, nos agrupamentos mais distintos e com uma disposição ao diálogo para, inclusive, seus oponentes em termos de ideias, distante de qualquer teor agressivo, sobretudo se pensarmos em agressividade física, mas mesmo em termos de diálogo - sendo ambos destinados aparentemente, no caso dos militantes ao menos,  para os policiais; aliás é desses últimos que um militante invoca ao microfone diante de uma assembleia, que sempre partiu a violência, afirmando que as manifestações sem a presença desses sempre foram pacíficas. O vocabulário expressa as distinções de classe e ideológicas entre os falantes em alguns momentos, como o que o jovem estudante se refere a um operário enquanto “um tipo” e é corrigido por uma colega como “um companheiro”, por exemplo. Em um de seus momentos mais divertidamente lúdicos observa-se um adolescente fazendo um discurso irretocavelmente esquerdista rodeado por adultos e com toda uma ênfase teatral em sua fala. Ou ainda o momento em que uma manifestante atende o telefonema da mãe de um jovem que faz uma semana que não surge em casa e afirma que ele se encontra vivo e em segurança, dialogando longamente com ela, mesmo com vontade de rir e rodeada por um clima similar. Nitidamente atraído por qualquer falante, o documentário reserva maior espaço de tempo aos muitos “anônimos” que flagra que ao próprio Daniel Cohn Bendit, líder mais conhecido do movimento, que ressurge brevemente após sua partida à Alemanha e de uma forma jocosa e pouco articulada a respeito da atualidade do movimento – é corrigido, a determinado momento – balbucia algumas palavras. Como fica restrito ao campo observacional, sem apresentação nenhuma de créditos aos falantes na própria imagem, surgem frequentemente cartelas em negro para situar minimamente o espectador de algumas ações que acompanha. No caso dos pronunciamentos de De Gaulle se observa tanto ele falando, sem grande entusiasmo, à televisão (numa captação precária da imagem da TV) quanto no célebre discurso ao rádio que provocará uma rápida reversão da situação política francesa e uma guinada francamente à direita.  Ao invés de apresentar imagens da enorme manifestação pró-De Gaulle que marcará a derrocada dos eventos de 68, o filme prefere uma entrevista à TV do general, realizando a sua própria síntese. Films Paris-New York. 97 minutos.

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