Filme do Dia: Mouchette, A Virgem Possuída (1967), Robert Bresson
Mouchette, A
Virgem Possuída (Mouchette, França,
1967). Direção: Robert Bresson. Rot.
Adaptado: Robert Bresson, baseado no romance Nouvelle histoire de Mouchette,
de Georges Bernanos. Fotografia:
Ghislain Cloquet. Música: Claudio Monteverdi & Jean Wiener. Montagem:
Raymond Lamy. Dir. de arte: Pierre Guffroy. Com: Nadine Nortier, Jean Vimenet, Maria Cardinal, Paul Hébert, Jean-Claude Guilbert, Suzanne
Huguenin, Marie Susini.
Mouchette
(Nortier), filha de uma família pobre que vive na província, passa seus dias
entre a escola, onde não consegue se sociabilizar com as outras meninas nem
conseguir a aprovação da professora de canto por ser desafinada, a família,
formada por um pai negligente (Hébert) e uma mãe inválida (Cardinal) e o
trabalho em uma venda – em que deixa praticamente todo o dinheiro com o pai.
Passando uma noite na floresta, ela testemunha o conflito entre o guarda
florestal Mathieu (Vimenet) e o caçador Arsene (Guilbert), cuja verdadeira
razão de ser é a paixão do primeiro pela balconista do empório (Huguenin), que
anda se divertindo ultimamente com Arsene. Arsene encontra Mouchette e a chama
para sua cabana, acendendo um fogo para aquece-la e posteriormente se
deslocando para uma casa abandonada, onde confessa ter matado um homem, e tem
um ataque epiléptico. Quando retorna a si não permite que Mouchette o abandone
e a violenta. Ao chegar exaurida em casa, ela ainda tem que cuidar da mãe, que
se encontra agonizante e do bebê que não para de chorar. Sua mãe morre, e ela
não consegue nutrir nada além de desprezo por aqueles que sentem-se compadecidos
por ela, como a dona de uma mercearia que lhe oferece café e a destrata quando
vê as marcas de violência provocadas por Arsene ou uma velha senhora que
oferece algumas peças de roupa para cobrir o cadáver da mãe. Vai de encontro a
Matthieu, que afirma que Arsene se encontra preso, e não teme em dizer que a
culpa era do próprio Matthieu, que se encontrava bêbado. À mulher de Matthieu
(Susini), afirma que Arsene a ama. Vai até o campo, lá veste um dos vestidos
que a velha senhora lhe entregou e rola freneticamente pela relva até o rio.
Mais
um dos retratos da dor, da resistência a dor e da derrota frente a esta mesma
dor traçados por Bresson, bem próximo de outros filmes seus como O Processo de Joanna D’Arc (1962). O
cineasta como poucos nos leva a uma apresentação de uma vida martirizada de
contornos tipicamente cristãos nos dias de hoje. A jovem Mouchette, ainda mais
que Joanna, que sabia expressar a sua
contestação e morreu por um ideal, é vítima da intolerância social e da sua
própria sensibilidade. Quando busca algum momento de prazer, como no parque de
diversões em que passa a cortejar um rapaz, esse momento rapidamente lhe foge –
o pai aparece e lhe dá um tapa, não restando a ela mais que idealizar que o
homem que a violenta, na realidade a ama. Talvez um dos momentos mais belos do
filme seja o que Mouchette decide abandonar a vida, e tal decisão é encarada
como um momento de libertação e prazer – as cenas em que rola freneticamente
antes de de se jogar no rio. Mesmo um filme profundamente anti-sentimental,
o fato da jovem possuir consciência plena do mundo opressor em que vive e até
reagir a este – seja lançando areia nas outras garotas da escola ou chamando a
velha senhora que lhe doa roupas de “idiota” – não apaga de toda a impressão
subliminar de auto-piedade da mesma, condescendência que certamente se
encontraria longe dos objetivos do cineasta. Adptação do romance de Bernanos,
de quem Bresson já havia levado às telas anteriormente Diário de um Pároco de Aldeia (1950), e que provavelmente foi sua
maior influência em termos de dramaturgia. Outra boa adaptação do escritor foi
a realizada por Maurice Pialat, em 1989, Sob o Sol de Satã, ainda que mal recebida por público e crítica.Argos Films/
Parc Film. 87 minutos.
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