Filme do Dia: Três Reis (1999), David O. Russell
Três Reis
(Three Kings, EUA, 1999). Direção: David O. Russell. Rot. original: David O.
Russell, baseado no argumento de John Ridley. Fotografia: Tom Sigel. Música: Carter Burwell. Montagem: Robert K. Lambert.
Dir. de arte: Catherine Hardwicke, Jann K. Engel & Derek R. Hill. Cenografia: Gene Serdena.
Figurinos: Kym Barrett. Com: George Clooney, Mark Wahlberg, Ice Cube, Spike
Jonze, Nora Dunn, Jamie Kennedy, Mykelti Williamson, Cliff Curtis.
Logo após o cesar-fogo da Guerra do Golfo, Archie
Gates (Clooney} sabe, através de fontes privilegiadas, que um grupo de soldados
se encontra da posse de um mapa que indica uma fortuna em ouro, que os
iraquianos se apossaram do Kuwait. Ao invés de delatá-los ele se torna o líder
do grupo, também formado pelo ingênuo Conrad (Wahlberg), seu amigo Troy (Jonze)
e pelo negro Elgin (Cube). Gates consegue despistar a insistente repórter
Adriana Cruz (Dunn) e após uma primeira tentativa frustrada, conquistam o
bunker onde se encontra não só eletrodomésticos, como também membros da
oposição a Saddan Hussein. O grupo já se encontra disposto a partir, mesmo com
as súplicas das vítimas da ditadura, quando um tiro na mulher de um dos líderes
do movimento, Amir Abdullah (Curtis) e o terror da filha que assiste a sua
execução, desperta o lado humanitário de Gates, que consegue enfrentar os
soldados iraquianos e fugir com um caminhão repleto de dissidentes. Na fuga,
porém, Troy cai nas mãos do exército iraquiano e sofre sessões de tortura, de
um descontrolado soldado, que perdeu um filho no bombardeio americano, enquanto
sua mulher teve que amputar as pernas. Munidos de carros milionários
apreendidos pela oposição a Saddan, o grupo de legionários faz-se passar pela
própria comitiva de Hussein, conseguindo libertar Troy e tendo como último
objetivo levar os prisioneiros até o território iraniano. Os momentos
finais da missão são tensos com a chegada de helicópteros do exército americano
que procuram impedir a ação. Porém Gates e seus legionários resistem
bravamente até o final, tendo como argumento que a devolução do ouro só seria
possível com a liberdade dos iraquianos, já que eles se encontravam da posse do
mesmo. Com a ajuda da reportagem de Cruz, que chega há tempo de flagrar o
momento de conflito, tudo se resolve para os legionários, que são condecorados,
com exceção de Conrad, que foi morto por um franco atirador.
Procurando
se apresentar como um filme de guerra com roupagem moderna é, no entanto,
profundamente conservador tanto em termos formais quanto de conteúdo. O
diferencial do que já se fazia no cinema clássico americano são a pior
qualidade das imagens e das interpretações (com um sofrível Clooney como
protagonista) e a adição de momentos propícios para o festival de pirotecnias
como explosões e viradas de carros que vem sendo uma das atrações da produção
americana nas últimas três décadas. No mais a mesma ridicularização do
estrangeiro, seja na imbecilidade e falta de caráter como são representados os
soldados iraquianos, seja na facilidade com que, quando se deparam com os
legionários americanos, humilham-se e
declaram seu amor à América ou quando descobrem o mapa do bunker no ânus de um
dos prisioneiros. Com o agravante de que agora, em tempos de politicamente
correto, além do rude etnocentrismo ainda se pretende retratar o perfil
humanista do herói liberal americano por excelência, já que os legionários
transpiram idealismo por todos os poros, mesmo sob o peso da possível punição
que os aguarda na instituição em que servem. Em todos os diálogos e ações a
mesma verve liberal torna o filme tão caricato quanto a apresentação de todos
os iraquianos como contrários ao regime de Hussein. Na trilha sonora belas
canções como as do Beach Boys e Chicago – If
You Leave me Now, que surge em um momento em que a pirotecnia dos efeitos
se une a uma qualidade de imagem, em câmera lenta, que evoca a estética dos
comerciais televisivos. O único momento em que o filme pretende sair do
maniqueísmo fácil, embora não menos esquemático, é o que o soldado iraquiano
tortura seu rival e o faz engolir petróleo, como resposta a menção anterior que
o americano fizera de que o interesse dos EUA na guerra era meramente o de
libertar uma nação. Longe se encontra, por exemplo, do humor corrosivo e
inteligente de M*A*S*H* de Altman.
Por outro lado, sua representação dos não americanos, não evoluiu ou mesmo
involuiu quando comparado a filmes como Cinco Covas no Egito (1943) de Wilder, que pelo menos tem a seu favor ter sido
produzido como evidente instrumento de propaganda, ainda no calor do conflito.
Entre os inúmeros personagens arquetípicos se encontra o fraco Conrad, que como
todo fraco procura apoio nos mais fortes (como nos filmes de John Ford) e que
como todo bom fraco também deve se tornar mártir no final, tal e qual o Platão
de Juventude Transviada (1955). Tal
filme mais uma vez evidencia o quanto um produto marcadamente de entretenimento
pode servir, conscientemente ou não, como veículo ideológico. Village Roadshow Productions/Coast Ridge/Atlas
Entertainment/Warner Bros. 116 minutos.
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