Filme do Dia: Copacabana Mon Amour (1970), Rogério Sganzerla
Copacabana Mon Amour (Brasil, 1970). Direção e Rot. Original:
Rogério Sganzerla. Fotografia: Renato Laclette. Música: Gilberto Gil. Montagem:
Mair Tavares. Com: Helena Ignez, Othoniel Serra, Paulo Villaça, Guará
Rodrigues, Laura Galano, Joãozinho da Goméia.
Sonia Silk (Ignez), prostituta na
praia de Copacabana, sonha ser uma grande cantora da Rádio Nacional, enquanto
seu irmão Vidimar (Serra), é apaixonado por seu patrão, o Dr. Grillo (Villaça).
Visitando o pai-de-santo Joãzinho da Goméia, Silk toma a decisão de assassinar
o Dr. Grillo para libertar o irmão da situação de transe em que se encontra.
Embora provavelmente seja uma
experiência enervante para quem busque uma narração mais delineada, o filme de
Sganzerla consegue, de certa maneira, traduzir em sua forma, e não apenas nas
atuações do elenco, a atmosfera de transe hipnótico dos cultos afro-americanos,
dois quais Vidimar e Silk são
praticantes. Para tanto auxilia a inesquecível fotografia de cores
quentes – efetivada com uma lente Totalscope de segunda mão - que consegue
traduzir como ninguém o calor paradoxalmente opressivo e liberador das ruas de
Rio de Janeiro, que leva seus protagonistas ao completo delírio e obsessão
sexual, numa representação dos trópicos que parece ser, sob certos aspectos,
uma retradução do discurso de Paulo Prado em seu célebre livro da década de
1920, Retrato do Brasil. O transe
místico, a homossexualidade masculina e feminina (inclusive quanto à primeira
nas cenas provavelmente mais ousadas realizadas pelo cinema brasileiro até
então), a miséria e o sol compõem um retrato que procura ser uma evocação
limítrofe da desmesura. Fortemente influenciado pelo tom anarco-tropicalista de
Terra em Transe (1967), de Gláuber,
e repetindo vários dos motivos presentes em sua obra-prima, O Bandido da Luz Vermelha (1968),
inclusive no mesmo tema musical de ritmos africanos e no se jogar ao mar como
fuga desesperada para uma situação de vida que não aponta saídas, o filme
antecipa algumas incursões ainda mais obscuras realizadas posteriormente,
afastando-se por bem ou por mal do modelo de cinema popular sofisticado que
marcara seus dois primeiros filmes. Nesse sentido, as interpretações se tornam
cada vez mais anti-naturalistas e ocorre cada vez menos preocupação em sintonizar
os diálogos com os movimentos labiais dos atores. Ao final do filme, existe um
certo clamor de revolta contra a paralisia da sociedade brasileira como um todo
diante de sua própria miséria econômica e social. Silk é mais uma das personagens iconoclastas
e debochadas criadas pelo cineasta para Helena Ignez, na trilha da Janet Jane
de O Bandido e da Ângela
Carne-e-Osso de A Mulher de Todos
(1969). Rogério Sganzerla Produções Cinematográficas/Belair. 85 minutos.
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