Filme do Dia: O Demônio da Argélia (1937), Julien Duvivier
O Demônio da Argélia (Pépé
le Moko, França, 1937). Direção: Julien Duvivier. Rot. Adaptado: Henri La
Barthe, Julien Duviver & Jacques Constant, a partir do romance de La
Barthe. Fotografia: Marc Fossard &
Jules Kruger. Música: Vincent Scotto & Mohamed Ygerbuchen. Montagem:
Marguerite Beaugé. Dir. de arte: Jacques Krauss. Com: Jean Gabin, Line
Noro, Mireille Balin, Lucas Gridoux ,
Gabriel Gabrio, Saturnin Fabre, Gilbert Gil, Marcel Dalio, Charles Granval.
O charmoso gangster Pépé le Moko
(Gabin), conhecido por conquistar inúmeras mulheres, vive na zona mais perigosa
de Algiers, Casbah, sentindo-se seguro lá. A polícia, no entanto, tendo como
principal contato o Inspetor Slimane (Gridoux), amigo próximo de Pépé, pretende
o quanto antes pegá-lo em flagrante. Pépé vive com Inès (Noro). Slimane, no
entanto, lhe apresenta a ricaça Gaby Gould (Balin), mantida por um homem rico,
e a atração entre ambos é instantânea. A polícia utiliza Pierrot (Gil), a quem
Pépé tem um carinho parternal, como isca, enviando-lhe uma pretensa carta de
sua mãe. O comerciante que ajudou a polícia a aplicar o golpe, Maxime (Granval)
é aprisionado por Pépé e seu grupo até que Pierrot retorne. Esse retorna
mortalmente ferido, e antes de se vingar de Maxime morre, porém os amigos de
Pépé fazem com que a arma que o cadáver segura dispare contra Maxime. Deprimido
com a morte de Pierrot, assim como o desaparecimento de Gaby, que somente
depois fica sabendo que se encontra vigiada pela polícia, Pépé tem um momento
de destempero e corre rumo ao centro da cidade para encontrar sua amada, sendo
detido por Inès. Após a morte de mais um dos membros da sua gangue, o seu braço
direito, Carlos (Gabrio). Pépé consegue entrar no navio que o levará para longe
da Argélia, mas Inès conta tudo ao Inspetor Slimane. Pépé é finalmente preso a
bordo e enquanto observa Gabi na proa do navio, mata-se.
Esse que é um dos maiores clássicos
do chamado realismo poético francês, apresenta uma atmosfera tensa e exótica a
qual, tipicamente colonialista, não faz uso da ambientação na Argélia senão
como passaporte para uma série de observações etnocêntricas, condensadas
sobretudo no “pequeno documentário” que acompanha a explicação sobre Casbah
para os agentes da polícia, um local “piolhento” e com mulheres “que ninguém
desejaria se aproximar”, assim como repleta de labirintos, local ideal para um
homem como Pépé. Ninguém espera que Gabin, o protagonista mais recorrente do
cinema francês da época, termine a ação vivo. A dimensão fatalista aqui é menos
prenunciada pelo naturalismo de matizes hereditários tal como em A Besta Humana, que pela ambiguidade do
personagem talvez mais intrigante de toda a trama, o de Slimane, que articula
boa parte da ação, e com sua perversidade de contornos sutilmente homossexuais,
torna-se o protótipo de muitas relações semelhantes entre o investigador e seu
investigado no cinema francês posterior. E é com o personagem vivido por Gabin,
esse contraventor de “bom coração”, paternal com Pierrot, incapaz de bater na
amante e brincalhão com a atração que parece exercer sobre o investigador que o
filme pretende criar uma identificação por parte do espectador. Pode-se ainda
destacar uma trama demasiado repleta de personagens secundários e os primeiros
planos da atração entre Pépé e Gaby como demarcadores de um cinema que seria
potencialmente aniquilado, enquanto potência expressiva, justamente por uma
corrente que seria parcialmente influenciada por ele próprio, o neorrealista –
e um dos primeiros experimentos do gênero realista no cinema italiano pré-neorrealista Alcazar, contaria justamente com
Mireille Balin. Porém, longe de serem impedimentos para que o filme seja
apreciado, tornam-se, em grande parte, mesmo atrativos e até rendem um de seus
momentos mais interessantes, que é o que a companheira de Carlos canta
nostálgica uma das canções dos tempos longínquos na qual fora sucesso dos
palcos. Menos pudico que os seus congêneres norte-americanos de então, não deixa
de ser influenciado por esses (que o digam os planos que seguem apenas as
pernas do protagonista), o filme antecipa a figura de mulher que trai o amante
que se encontrará no filme que jogará de vez a pá de cal sobre tal tipo de
cinema, Acossado. John Cromwell (O Libertador), o refaria como Argélia, no ano seguinte, com Charles
Boyer e Hedy Lammar e uma comparação sobre a atitude em relação ao sexo nos
dois filmes pode ser bem didática, e dez anos após uma outra versão
norte-americana, Casbah, o Reduto da
Perdição demonstraria o poder de atração senão do próprio filme, ao menos
de sua trama, de seu apelo
erótico-exótico e de seu protagonista. A popularidade do filme não passaria
despercebida sequer da animação, com o personagem de Pepe, o gambá sedutor da
série Looney Tunes, surgido em 1944,
sido evidentemente inspirado no seu homônimo. Paris Film para DisCina. 94
minutos.
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