Filme do Dia: O Trabalho de uma Escrava (1973), Alexander Klüge
O Trabalho de uma Escrava (Gelengheitsarbeit einer Sklavin, Alemanha, 1973). Direção:
Alexander Klüge. Fotografia: Thomas Mauch. Montagem: Beate Mainka-Jellinghaus.
Com: Alexandra Klüge, Bion Steinborn, Ursula Birichs, Traugott Buhre, Sylvia
Gartmann, Alfred Edel.
Roswhita Bronski (Klüge) sustenta sua
família, incluindo o marido estudante e pesquisador de química Franz
(Steinborn), com os abortos que faz em uma clínica clandestina. A tensão entre
servir o marido e ser enganada na profissão pelo Dr. Genee (Buhre), faz com que
a relação do casal se torne a cada dia mais tensa. Incriminada sem culpa por
Genee e outra médica que realizara um aborto que perfurou o útero da paciente,
Roswhita pede que o marido assuma a culpa por ela, sendo ele preso. Ameaçando a
médica, Roswhita consegue fazer com que ela retire a denúncia. Solto, Franz
decide trabalhar, para que Roswhita não mais tenha que fazer abortos. Roswhita
passa a se interessar por política e questões sociais, e provoca uma denúncia
contra a fábrica que o marido trabalha, que se encontra às vésperas de se mudar
para Portugal, mas não quer admitir para os empregados. O boato é negado, a
fábrica decide se manter no local, porém Franz é despedido. Roswhita é vista
pelo segurança da fábrica com uma barraquinha de lanches nas imediações. Ela
enrola os sanduíches com panfletos
contra a fábrica.
Filme irregular de Klüge, um dos
cineastas mais influentes do Novo Cinema Alemão. Seu começo bastante promissor
e evocativo dos dramas sobre relações de poder no universo familiar e de gênero
de Fassbinder se transforma, de um momento para outro, provavelmente querendo
seguir a guinada da própria protagonista, em uma ironia política que hoje soa
um tanto quanto datada, sobretudo no seu final. A partir do momento que o filme
se redimensiona, toda a ironia explícita (inclusive em legendas, como a que faz
questão de frisar que o fracasso do casal apresentado é um reflexo de um modelo
burguês que não mais dá conta para os padrões de então) que cria a tensão
provocante se esvai e surge uma visão do casal agora completamente positiva e
cheia de bons propósitos. Ainda que a intenção de Klüge tenha sido de ironizar
com o próprio idealismo com que o casal passa a ser descrito nesse segundo
momento (sendo que o marido se transforma de vilão no mais cordato dos homens),
e mesmo com o melodrama (a trilha, por si só, é bastante indicativa, sobretudo
no momento inicial), o resultado final se contamina dessa excessiva
auto-indulgência intelectual. Sua engenhosa consideração inicial de que
Roswhita fazia abortos para ter direito a ter mais filhos, ganha substância
quando o cineasta, empregando métodos dramatúrgicos utilizados igualmente por
alguns de seus companheiros de geração (Wenders apresenta seu protagonista
defecando em No Decorrer do Tempo)
apresenta sem nenhum pudor todo o processo de invasão do corpo feminino pelos
aparelhos e extirpação de um feto. Seu distanciamento emocional, característica
igualmente compartilhada com outros companheiros de geração como Straub e
Fassbinder, tampouco sai incólume após a
reviravolta que se segue à prisão de Franz. Brecht, referência sem a qual seria
impensável pensar a concepção de distanciamento emocional, chega a ser citado,
numa seqüência em que a protagonista e sua amiga cantam uma de suas canções.
Filmverlag der Autoren/Kairos Film. 91 minutos.
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