Filme do Dia: O Céu Que Nos Protege (1990), Bernardo Bertolucci
O Céu Que Nos
Protege (The Sheltering Sky, Reino
Unido/Itália,1990). Direção: Bernardo Bertolucci. Rot. adaptado: Bernardo
Bertolucci & Mark Peploe, baseado no romance homônimo de Paul Bowles. Fotografia: Vittorio Storaro.
Música: Richard Horowitz & Ryuichi
Sakamoto. Montagem: Gabriella Cristiani. Dir. de arte: Gianni Silvestri. Figurinos: James Acheson. Com: Debra
Winger, John Malkovich, Campbell Scott, Jill Bennett, Timothy Spall, Eric
Vu-Na, Philippe Morier-Genoud, Afifi Mohamed, Carolyn De Fonseca.
O Casal Kit (Winger) e Port (Malkovich) Moresby
resolvem passar uma temporada na África saariana, levando a tiracolo o amigo
Tunner (Scott). Provenientes de uma elite americana culturalmente sofisticada e
um tanto quanto vazia – ele escritor bissexto, ela tendo escrito uma peça há
muitos anos - já do início afirmam que são viajantes e não turistas,
delimitando o abismo que distancia entre aquele que apenas pretende passar
alguns dias no país e ter uma noção do exotismo de uma cultura diferenciada e o
estrangeiro que não possui previsão sobre o tempo de permanência e pretende uma
interação maior com o meio. Logo nos primeiros dias, Port é levado a uma
prostituta local de fartos seios, que tenta lhe roubar, enquanto sua mulher lhe
trai com Tunner, a quem lhe revelara nutrir uma grande desconfiança. Também
estrangeiros e também fazendo um percurso semelhante se encontram o feminino e
decadente Eric Lyle (Timothy Spall) e sua mãe (Bennett). Quando Port comunica
que conseguira uma carona com os Lyle, que possuem carro o que aumenta a
segurança e diminui o tempo de viagem, para o início de sua excursão pelo
Marrocos, Kit lhe surpreende ao afirmar que pretende ir de trem com Tunner. Os
três hospedam-se em quartos separados.
Ciente da influência cada vez maior de Tunner sobre Kit, Port reverte o próximo
trajeto, fazendo com que Tunner vá de carro com os Lyle e “descobrindo” apenas
tardiamente a existência de uma linha de ônibus. Logo, no entanto, Port
descobre que teve seu passaporte roubado por Eric Lyle e, pior de tudo, contrai
tifo. Progressivamente sua saúde se deteriora e Kit, mesmo começando a entrar
em pânico, vela por sua longa agonia. Após sua morte, abandona o cadáver no
rústico hotel onde se hospedavam e anda sem destino até encontrar o árabe
Belqassim (Vu-Na) e seu grupo de beduínos que a levam até sua aldeia. Tunner
encontra a cova de Port e evita contato com os Lyle, que casualmente se encontram
no mesmo local. Kit torna-se mulher de Belqassim, mas logo o abandona e é
tripudiada pela população em um mercado local, ao tentar comprar algo com
dinheiro francês. É encontrada em um hospital, em estado de choque e recebe a
visita da representante da embaixada americana, a Srta. Ferry (De Fonseca), que
lhe conta que quem pediu que se iniciassem as buscas foi Tunner, que
provavelmente já se encontra na cidade para recebê-la. Porém ela foge de seu
encontro e vai parar no saguão do hotel onde tudo começou.
Embora a bela abertura, com imagens de arquivo de
Manhattan associada a bela trilha de Horowitz & Sakamoto nos sugiram uma
expectativa maior do que o filme nos proporciona, suas várias fraquezas não
chegam a comprometê-lo de todo. Entre elas se encontra uma pretensão de
traduzir em imagens e diálogos a veia essencialmente existencialista do livro,
de cunho autobiográfico, de Bowles. Tal pretensão esbarra em obstáculos como as
interpretações em muitos momentos não convincentes dos atores e até mesmo a
excessiva estilização das locações, ainda
que as filmagens tenham sido efetuadas em locais semelhantes ao que se
desenrola a trama do livro. E o fato dos momentos mais tocantes do filme serem
os comentários – por sua própria natureza, literários - que o próprio autor faz
sobre os personagens no início e no final apenas depõem contra o mesmo. No
início em uma frase que sintetiza todo o drama que ainda irá se desenrolar
quando afirma que Kit e Port “chegaram ao erro fatal de considerar o tempo como
não existente. Um ano era como o outro. A seu tempo, tudo iria acontecer”, se
evidencia a eminência trágica que rondava o frágil espírito de autocondescendência
e fruição sensória dos protagonistas. E no tocante final, em que o personagem
se desloca até o seu criador, e este lhe confessa que “consideramos a vida um
poço inesgotável, porque não sabemos quando vamos morrer. No entanto, tudo
acontece apenas um certo número de vezes. Um pequeno número. Quantas vezes mais
você se lembrará de uma certa tarde de sua infância? Uma tarde que está tão
profundamente enraizada em seu ser? Talvez umas quatro ou cinco vezes. Talvez
nem isso. Quantas vezes ainda vai olhar a lua cheia nascendo? Talvez vinte. E,
no entanto, tudo parece infinito.” Enigmática se torna a mudança radical que
vivencia Kit, de mulher autônoma que não chega a dividir o quarto com o marido
e capaz de viver uma relação extra-conjugal a seu lado a uma entre outras
mulheres submissas de um nativo, como que evidenciando quão pouco sólidas são a
construção de nossas identidades. Aldrich Group/Film Trustees Lmtd/RPC/Sahara Company/TAO Film. 138
minutos.
Comentários
Postar um comentário