The Film Handbook#155: Jean-Pierre Melville
Jean-Pierre Melville
Nascimento: 02/10/1917, Paris, França
Morte: 02/08/1973, Paris, França
Carreira (como diretor): 1946-1972
Apesar da carreira de Jean-Pierre Grumbach - um americanófilo obsessivo que se renomeou a partir de seu romancista favorito - ter sido dominada por seu interesse em filmes de suspense-gangsteres (amplamente considerados um gênero americano e grandemente comercial) ele, de fato, foi um artista profundamente pessoal e essencialmente europeu. Orgulhosamente independente, fez uso de situações ritualísticas e da iconografia tradicional do gênero para criar um universo estilizado, próximo de mítico, através do qual endereçava questões sobre honra, lealdade, companheirismo e fé.
Após lutar pela causa da França Livre na Segunda Guerra, Melville montou sua própria companhia produtora para realizar seu curta hoje perdido* 24 Horas na Vida de um Palhaço/24 Heures de la Vie d'un Clown. Seu primeiro longa, O Silêncio do Mar/Le Silence de la Mer, sugere um talento quase bressoniano, com um oficial alemão (culto e musicólogo) hostilizado pelo velho francês e sua sobrinha, com os quais se encontra alojado; perversamente, a garota se apaixona por ele. Realizado com baixo orçamento e notável por sua contraposição entre imagem e texto,o filme revela uma tendência poética que se concretizará plenamente em Les Enfants Terribles>1. Essa soberba adaptação de um romance de Cocteau sobre a relação claustrofóbica e quase incestuosa de um irmão e uma irmã introduzia o duradouro interesse de Melville no tema da fidelidade e da traição. Porém foi somente após o relativamente rotineiro melodrama, Quando Leres Esta Carta/Quand tu Liras Cette Letre, que seu estilo propriamente maduro pode ser sentido pela primeira vez, com Bob, o Jogador/Bob le Flambeur>2, um relaxado e vagamente estruturado thriller de gangster filmado parcialmente em locações, no qual um envelhecido criminoso, tendo planejado cuidadosamente o assalto a um cassino, permite que o resultado de todo planejamento seja distraído por sua paixão pelo jogo, que faz com que quebre a banca. A sutil ironia do filme e abordagem casual da narrativa e evocação atmosférica de uma Paris noturna influenciaram grandemente os diretores da Nouvelle Vague; igualmente idiossincrático e pouco convencional foi Dois Homens em Manhattan/Deux Hommes dans Manhattan no qual ficção (dois jornalistas buscam por um diplomata desaparecido) e não ficção se mesclam para produzir uma casual carta de amor de um francês para Nova York.
Apesar da obra inicial de Melville já ter manifestado sua preocupação pela ética do profissionalismo, foi somente após Léon Morin, Padre/Léon Morin, Prêtre (no qual um jovem padre joga com o amor que uma garota sente por ele na esperança de convertê-la) que ele conquistou a elevada estilização que marca suas análises mais rigorosas sobre dignidade, honra, coragem e lealdade. Técnica de um Delator/Le Doulos, no qual um informante se encontra dilacerado entre seus sentimentos por um policial e um gangster e Um Homem de Confiança/L'aîné des Ferchaux, sobre um velho banqueiro em fuga e seu capanga, que buscam refúgio nos Estados Unidos, ambos trazendo o tema do companheirismo a primeiro plano; Os Profissionais do Crime/Le Deuxième Souffle>3, trouxe ele para o centro da tela. Sobre um condenado fugido que planeja um último trabalho antes de abandonar o país e fica enredado em um sombrio e traiçoeiro submundo de lealdades inconstantes, policiais corruptos e rivais mortais, o filme adota um ritmo calculado, diálogos lacônicos e uma profusão de gestos e imagens emblemáticas: casacos, armas, limusines e bares servem para construir um universo aparentemente atemporal e abstrato e ter um parceiro é a única defesa contra a traição, a violência, a derrocada e a morte. Ações rituais (observadas em minúcias, contadas em detalhes) se tornam simbólicas da riqueza espiritual, sendo a morte o único refúgio para um negligente momento de graça. Em O Samurai/Le Samourai>4, onde o gosto de Melville por austeridade visual o leva a um sutil asfixiamento das cores, a solidão voluntária que garante a invulnerabilidade a um matador de aluguel é ameaçada quando ele se apaixona por uma mulher que pode proporcionar o seu álibi no caso de um assassinato; assim condenado, enfrenta os policiais com uma arma vazia. De forma similar, O Exército das Sombras/L'armée des Ombres>5 retrata os esforços da Resistência Francesa em imagens e situações evocativas dos filmes criminais do diretor, com coragem, profissionalismo e profunda camaradagem constituindo as únicas armas dos clandestinos na sua luta contra os ocupantes nazistas e seus colaboradores.
Se o estilo e temas de Melville permanecem os mesmos em seus últimos filmes - O Círculo Vermelho/Le Cercle Rouge e Expresso para Bordeaux/Un Flic>6 - o suave romantismo de sua melhor obra dá lugar a pessimistas histórias abstratas de solidão, traição e ação fútil; no último, lealdade e amizade são notavelmente ausentes, os planos iniciais de uma paisagem marítima varrida pela chuva evocando o resultado desastroso de um assalto a banco. A obra de Melville tem sido sempre notável por seu estilo estático e por seu foco em como os homens se preparam para encontrar a morte; porém, em seus momentos mais otimistas, o auto-conhecimento e a camaradagem, a pureza e a dignidade que se contrapõem a capacidade universal para a traição, emprestam a seus filmes um sutil poder emocional, notável pelo próprio fato de surgir em um gênero conhecido por sua celebração da violência.
A iconografia sombria e mítica dos filmes de gangster de Melville em Os Profissionais do Crime/Le Déuxieme Souffle |
Cronologia
É possível comparar os austeros visuais e diálogos lacônicos de Melville com Bresson, apesar dele próprio expressar sua enorme admiração por Becker (A Um Passo da Liberdade/Le Trou) e Huston (O Segredo das Jóias/The Asphalt Jungle). Sua influência sobre os realizadores da Nouvelle Vague foi reconhecida por Godard, que o escalou para uma ponta em Acossado/A Bout de Souffle, enquanto Leone, Hill e Michael Mann podem ser vistos como tendo adotado a abordagem rigorosamente estilizada de Melville ao gênero.
Destaques
1. Les Enfants Terribles, França, 1949 c/Nicole Stéphane. Edouard Dhermitte, Renée Cosima
2. Bob, o Jogador, França, 1955 c/Roger Duchesne, Isabelle Corey, Daniel Cauchy
3. Os Profissionais do Crime, França, 1966 c/Lino Ventura, Paul Meurisse, Michel Constantin
4. O Samurai, França, 1967 c/Alain Delon, Nathalie Delon, François Périer
5. O Exército das Sombras, França, 1969 c/Lino Ventura, Simone Signoret, Paul Meurisse
6. Expresso para Bordeaux, França, 1972 c/Alain Delon, Richard Crenna, Cathérine Deneauve
Leituras Futuras
The French Cinema Since 1946, Vol. 2 (Londres, 1970), de Roy Armes, Underworld USA (Londres, 1972), de Colin McArthur. Melville (Londres, 1971), de Rui Nogueira é uma longa entrevista.
Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 194-6.
*Deve-se considerar que o autor escreve em 1989 e que o curta, tido como perdido durante muito tempo, hoje não apenas se encontra disponível, com relativa facilidade, on line, e fez parte da mostra que comemorou os 100 anos de nascimento do realizador, como já foi resenhado pelo autor dessa tradução. (N. do T.)
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