Filme do Dia: O Silêncio do Mar (1949), Jean-Pierre Melville




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O Silêncio do Mar (Le Silence de la Mer, França, 1949). Direção: Jean-Pierre Melville. Rot. Adaptado: Jean-Pierre Melville, a partir do conte de Vercors. Fotografia: Henri Decaë. Música: Edgar Bischoff. Montagem: Henri Decaë & Jean-Pierre Melville. Com: Howard Vernon, Nicole Stéphane, Jean-Marie Robain, Ami Aaröe, Georges Patrix, Denis Sadier, Rudelle, Max Fromm.
1941. Numa pequena vila francesa, à época da dominação alemã, um oficial desse país, o Tenente Werner (Vernon), recusa o castelo que lhe foi oferecido, e prefere ocupar um cômodo na casa de um senhor de meia-idade (Robain), que divide a morada com sua jovem e bela sobrinha (Stéphane). Tio e sobrinha decidem ignorar Werner, que desfia longos monólogos sem que nenhum dos dois reaja verbalmente. Amante da cultura francesa, Werner se sente em desvantagem quando o grupo de oficiais alemães afirma que a dominação sobre a França se dará igualmente pela cultura, não mais permitindo obras literárias de autores franceses. Quando chega sua hora de partir, Werner se despede à véspera. Na manhã de sua partida, há um trecho de Anatole France selecionado pelo dono da casa que faz referência a necessária desobediência de ordens criminosas. Werner reflete por um momento, mas segue adiante.
Esse longa de estreia de Melville se trata de uma adaptação primorosamente pouco ortodoxa em termos de um enfrentamento com o texto escrito talvez mais próximo do universo de Bresson (Diário de um Pároco de Aldeia lhe é praticamente contemporâneo) que das banais ilustrações cinematográficas da literatura que eram a tônica dominante do cinema francês do período. Sua recusa do drama convencional se dá pelo voltar-se contra o uso do recurso fácil dos diálogos. Os três maiores dínamos expressivos do filme são os monólogos de Werner, a narração over do tio e, em menor intensidade, a própria decupagem, com os raros primeiros planos da sobrinha traduzindo sua inquietação com a partida de Werner. A voz over, aliás, traz uma tônica mais de crônica do cotidiano que possibilita respiros para os monólogos desabusadamente literários. Se o tratamento do oficial alemão nazista, numa época em que relativamente poucas ficções sequer ousavam se deter sobre traumas tão recentes é grandemente incomum em sua complexidade, o filme tampouco se dobra a concessões sentimentais, ao contrastar o discurso de Werner com sua decisão final, desfazendo qualquer idealismo apressado tão a gosto de um cinema que abordou temas similares por um viés de longe mais convencional (Um Canto de Esperança, A Lista de Schindler para se citar apenas dois exemplos). Ou seja, há uma alma de apreciador do humanismo, que é apaixonado pela literatura e pelo pensamento francês, assim como da música alemã, executando inclusive uma tocata de Bach, mas essa não obnubila motivações práticas e o seu lugar dentro de uma instituição, a militar, em um momento histórico muito preciso. Cultura e barbárie andam juntas com Werner, numa quase exemplificação de que não são necessariamente contraditórias – o oficial alemão chega a comentar sobre o quão etérea, desumana e impessoal é a música de Bach, em uma das melhores ocasiões para se perceber que estamos longe do lugar-comum e até mesmo da apropriação predominante que grandes nomes do cinema fizeram de temas do compositor (a exemplo de Tarkovski). Se a ausência de diálogos e quase inexistência de situações dramáticas ressaltam e agudizam o pequeno movimento nessa direção ao final, a modéstia de sua produção faz o uso de uma iluminação limitada, comandada pela estreia igualmente do longevo fotógrafo Decaë, e uso de locações que, juntamente com a recusa dos apelos dramáticos convencionais, fascinaria os futuros realizadores da Nouvelle Vague (Godard, por exemplo, em seu filme de estreia, Acossado, chama Melville para uma ponta). Se o silêncio pode ser observado numa dimensão tanto literal quanto alegórica, a ausência de nomes aos personagens de tio e sobrinha talvez sejam um reforço desnecessário ao alegórico. Melville Prod. para Pierre Braumberger. 87 minutos.

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