Filme do Dia: Não Matarás (1988), Krzysztof Kieslowski
Não Matarás (Krótki Film o Zabijaniu, Polônia, 1988) Direção: Krzysztof
Kieslowski . Rot.Original: Krzysztof Kieslowski & Krzysztof
Piesiewicz . Fotografia: Slavomir Idziak. Música: Zbigniew Preisner. Montagem:
Ewa Smal. Com: Miroslaw Baka, Artur Barcis, Stanislaw Gawlik, Krzysztof
Globisz, Stefania Iwinska, Grazyna Szapolowska, Jan Tesarz.
Um motorista de táxi (Tesarz), quando
vai saindo para seus afazeres cotidianos,
quase é atingido por um gato recentemente morto e torturado por um grupo
de crianças. Jacek (Bara) ronda sem rumo pela cidade. Observa fotos de primeira
comunhão e entra numa uma loja onde pede para que a moça amplie uma foto
antiga, perguntando-lhe insolitamente se é verdade que as fotos revelam se a
pessoa ainda realmente permanece viva ou não. Um jovem estudante de direito
Piotr (Globisz) realiza uma prova para conquistar o direito de advogar. O motorista de táxi limpa seu carro, enquanto
um casal se aproxima e pergunta se ele está livre. Ele responde grosseiramente,
e o casal diz que vai esperar em um abrigo porque o frio é grande. Jacek derruba o jovem que tenta assediá-lo em um mictório público. O motorista de
táxi sai com seu carro e não liga para as reclamações do casal no abrigo. Piotr
comemora a sua aprovação como advogado. Comemora no sinal, gritando de sua
motoneta para uma mulher que se encontra estacionada ao seu lado, provocando
uma reação depreciativa no motorista de táxi, que observa a cena. Vai comemorar
com sua namorada em um café, mesmo café em que Jacek vai e se diverte jogando
um pouco de bolo na vidraça que duas meninas observam, sorrindo para ele. Ele
sorri para elas. Porém não para um minuto sequer de enrolar um grosso barbante
em sua mão. Se dirige para o táxi que se encontra estacionado e quando dois
homens também se aproximam, afirmando tratar-se de uma questão de urgência e
perguntando se ele vai ao mesmo destino que eles, ele afirma que não, embora
fosse. Mais adiante, pede que o motorista vá por um caminho mais longo do que o
que poderia ser feito. Quando chega em um trecho deserto, ataca-o por trás com
seu barbante e o sufoca contra o pára-brisa do carro. A mão do motorista dispara
involntariamente a buzina e ele tem que pegar uma tora grande de madeira para
quebrá-la. Após uma sessão grande de sevícias, quando vai jogar o corpo no rio
e percebe que ainda se encontra vivo, Jacek desfere o golpe de misericórdia,
jogando três vezes uma grande pedra contra a cabeça do motorista. Após sua
prisão, é julgado, tendo como advogado de defesa Piotr. Porém é condenado à
pena de morte. O advogado fica extremamente chocado. Seus familiares choram no
tribunal. Quando é levado para o cárcere seu advogado chama-o de longe. Ainda perplexo
vai falar com um famoso criminalista, que lhe adverte ser ele muito sensível
para tal profissão. Recebe a notícia de que Jacek deseja falar com ele antes da
condenação. Apesar de contar com apenas trinta minutos, é constantemente
interrompido pelo carcereiro, que quer saber se a conversa já acabou. Jacek
pergunta-lhe sobre sua mãe, conta-lhe sobre sua tragédia pessoal - quando
morava no campo, após uma grande bebedeira com um amigo, seu amigo acabou
atropelando e matando com um trator sua jovem irmã de apenas 13 anos - a mesma
da foto. Que se não fosse por tal fato provavelmente não teria saído do campo e
não teria ocorrido o que houve. Pede para que o advogado recupere a foto de sua
primeira comunhão. Extremamente perturbado, Piotr assiste os momentos finais
que antecedem (em certo momento ele tem um último momento de revolta, mas acaba
sendo dominado) e a própria execução de Jacek. Do lado de fora do presídio,
chora em seu carro.
Tudo no filme de
Kieslowski leva a criação de um ambiente de hostilidade do mundo que circunda
Jacek e que o leva a seu crescente ceticismo, niilismo e anti-sociabilidade
perversa (que tem como antepassado legítimo o
Rashkolnikov de Dostoievski)- em uma das cenas, ele joga uma pedra, de
cima de um viaduto, que acaba provocando um acidente em uma avenida - seja as
frias e desumanas ruas que percorre, sem maior significação para ele, a falta
de amigos, etc. Ainda consegue se relacionar com uma jovem, com quem passeia de
carro logo após o assassinato, quando no carro ainda pende um pedaço da carne
de seu dono. Tudo acentuado pela fotografia quase monocromática que valoriza os
tons pastéis e o uso de filtros que acentuam o isolamento afetivo de Jacek para
com o mundo que o circunda, e ao mesmo tempo o aponta como que para uma grande
lente de microscópio onde um entomologista - o diretor? nós, expectadores? -
observa(mos) detidamente cada um de seus passos. Trilhando o paralelo de dois
jovens de idade semelhante em seu assimétrico “desenvolvimento” na sociedade:
exatamente quando Piotr trilha os degraus para chegar ao posto de advogado, o
jovem começa a maquinar o seu torpe
crime - depois o advogado relembrará culpado, conversando com o criminalista, o
momento que cerca de um ano antes ele viu a cena do jovem enrolando o barbante
em sua mão no café. Esse duplo assimétrico formado pelo jovem advogado e Jacek
tem seu ponto de confluência no motorista de táxi que, por sinal, deixa também
evidente traços perversos e de insensibiliade - ainda que de pequenas
perversões e insensibilidade geridas no nível da sociabilidade como buzinar
espantando os cachorros que um homem leva na rua ou afirmar para um amigo,
quando vai por o gato morto no lixo, que detesta gatos. Adaptação para o cinema
de um dos episódios da série Decalógo que dirigiu para a tv polonesa, e que
teve outro episódio (Não Amarás,
1988) adaptado para o cinema, talvez
ainda mais bem sucedido que este. Tocante trilha de Preisner. Zespol Filmowy
"Tor". 84 minutos.
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