Filme do Dia: Em Nome da Lei (1949), Pietro Germi

Em Nome da Lei (In Nome della Legge, Itália, 1949). Direção: Pietro Germi. Rot. Adaptado: Mario Monicelli, Federico Fellini, Tullio Pinelli, Guiseppe Mangione & Pietro Germi, a partir do romance Piccola Pretura, de Guiseppe Lo Schiavo. Fotografia: Leonida Barboni. Música: Carlo Rustichelli. Montagem: Rolando Benedettti. Dir. de arte: Gino Morici. Com: Massimo Girotti, Jone Salinas, Camilo Mastrocinque, Charles Vanel, Saro Urzi, Turi Pandolfini, Umberto Spadaro, Sara Arcidiacono, Bernardo Indelicato, Nadia Niver, Ignazio Balsamo.
Guido Schiavi (Girotti) chega ao vilarejo siciliano de Capodarso no momento em que o juiz anterior abandona a cidade. Desde quando põe os pés na cidade, Schiavi percebe que não contará com apoio nem da elite, representada pelo corrupto Barão Lo Vastro (Mastrocinque), nem muito menos pela Máfia, liderada por Massaro (Vanel) ou ainda pelo povo, temeroso de sofrer represálias da Máfia. Schiavi tenta convencer o Barão a abdicar da proteção da Máfia pela do Estado, após ter um de seus homens morto numa ação criminosa. Seu assassino, Vanni Vetriolo acaba posteriormente sendo vitimado pela Máfia, ainda que tenha guardado em sua mão o medalhão de um dos capangas de Massaro, Tulo Galinella,  que acaba sendo preso. Schiavi ao mesmo tempo se envolve com a velha ação de reabertura da mina, fonte de renda da maior parte da população. Um de seus poucos aliados é o jovem Paolino (Indelicato), apaixonado por Bastianedda (Niver), que é o motivo do desejo do próprio padrasto. Schiavi acaba se apaixonando por Teresa (Salinas), a sensível mulher do Barão, que se torna outra aliada sua. Schiavi sofre um atentado logo após abandonar a casa do Barão, que numa recepção em sua homenagem, havia tentado sem sucesso suborná-lo para abandonar o local e sua esposa. O atentado é cometido a mando de Massaro e comandado pelo próprio Galinella, já solto.  Lo Schiavo também se torna impopular junto ao povo por ordenar a evacuação da área da mina, prestes a ser invadida, decidindo abdicar do cargo. Quando já encontra prestes a ir embora com Teresa, cujo envolvimento afetivo com ele já é público, Schiavi sabe da morte de Paolino, cometida pelo padrasto de Bastianedda. Schiavi retorno e chama, através dos sinos da igreja, toda a população local, para afirmar que não mais irá abandonar o seu cargo, após o assassinato de Paolino. A máfia simula a morte do criminoso mas, no último minuto, acaba o entregando para o juiz e a polícia.
Esse arrebatador filme de Germi, seu terceiro, apresenta uma notável filiação ao cinema neo-realista, na sua escolha pela abordagem voltada para a crítica social, uso de locações não apenas como forma de exploração do exotismo “local”, mas como meio de apreender a dinâmica social em relação com o seu próprio universo (nesse sentido, antecipando, como outras produções neo-realistas, opções como a do Cinema Novo brasileiro) e o uso de atores amadores, boa parte deles restritos somente a essa produção ou umas poucas mais. Porém, não deixa de se filiar às exigências dos filmes de gêneros, com uma representação de muitos dos eventos descritos, tais como o do primeiro contato do grupo mafioso com Schiavo, assim como a descoberta do cadáver de Vetriolo, que se aproxima bastante do western, para  não falar da própria subtrama do imbróglio romântico, aparentemente comprometido em seu final pela opção de permanência de Schiavi. Ao contrário do western, no entanto, o herói aqui é justamente aquele que pretende romper um perverso ciclo de exploração e concentração de poder, assim como de um patriarcalismo que gera situações espúrias como a do padrasto de Bastaniedda, que consegue conjugar as duas dominações ao mesmo tempo, ao unir no seu crime a revanche pessoal e a denúncia de Paolino como informante do juiz, e portanto passível de execução pela Máfia. Enquanto o western clássico finda justamente quando o poder da lei já torna obsoleto a personagem do cowboy justiceiro, aqui se vivencia uma situação inversa, por mais que seu final ambíguo, em que a Máfia coopera com as forças do Estado, aponte para uma interrogação que não chega a ser explicitada: seria um “amadurecimento” da Máfia o reconhecimento irrevogável da chegada do Estado, não apenas enquanto floreio retórico, ou seria um “amadurecimento” do agente do Estado, jovem, mas siciliano, como ele mesmo gosta de observar, a inevitável necessidade de diálogo ou compromisso com os poderes locais? Enquanto paladino imperturbável da justiça que não pretende se contaminar por toda a podridão local, mas que possui como ponto fraco justamente um amour fou, o juiz vivido com brilhantismo por Girotti, cuja relativa falta de dinâmica expressiva aqui parece se ajustar a perfeição aos fins exigidos, antecipa o protagonista de Lola (1981), de Fassbinder. Poucas vezes talvez o cinema tenha conseguido traduzir de forma tão eloqüente a resistência de uma sociedade tradicional fincada no compadrio e na cordialidade à impessoalidade burguesa. Adaptada a sua própria realidade social, Caçada Humana (1966) apresenta um herói com fibra e convicção  semelhantes.  Ao mesclar crítica social de peso com elementos oriundos do cinema de gênero, Germi parece encontrar uma solução mais bem resolvida que o contemporâneo Guisseppe De Santis. Lux Film. 101 minutos.



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