"Sou um novo homem"
Lindomar Castilho, o símbolo da violência contra a mulher, quer voltar a ser apenas um cantor
Sérgio Martins, de Goiânia
Ao sair da cadeia, Lindomar tentou retomar a carreira. No começo dos anos 90, fez alguns shows. Em todos eles, enfrentou vaias sonoríssimas de mulheres na platéia. "Em uma das vezes, durante um espetáculo beneficente, os assobios eram tantos que ele desistiu de cantar", lembra Sérgio Reis, um dos poucos amigos que não se afastaram de Lindomar. Enxotado dos palcos, o artista foi cuidar das três fazendas que possui em sua cidade natal, Santa Helena de Goiás. Agora, aos 61 anos, ele tem uma grande oportunidade. Vai lançar um CD ao vivo em abril pela multinacional Sony. A gravadora, que já ressuscitou Reginaldo Rossi, aposta no apelo de clássicos castilhianos, como Você É Doida Demais e Eu Vou Rifar Meu Coração. Em seu auge, nos anos 70, Lindomar chegou a vender 500.000 cópias de um único LP, um número assombroso para o mercado da época. "Já paguei minha dívida com a sociedade", diz o cantor. "Quero começar uma outra vida."Em 1981, a vida do cantor Lindomar Castilho deu uma virada brusca. Lindomar era "o rei do bolero" até 30 de março daquele ano, dia em que assassinou a tiros a ex-mulher Eliane de Grammont numa boate em São Paulo. Preso em flagrante, esperou na cadeia o julgamento. Em 23 de agosto de 1984, foi condenado a doze anos de reclusão, por homicídio doloso e tentativa de homicídio. O artista também havia tentado matar seu primo, o músico Carlos Randal, namorado de Eliane, que estava com ela na ocasião. Tudo premeditado: antes de encontrar o casal, Lindomar comprou um revólver calibre 38 e o recheou com balas "dundum", daquelas que explodem dentro do corpo provocando ferimentos ainda mais graves nas vítimas. O crime do cantor foi um divisor de águas na história jurídica brasileira. Até então, a figura da "legítima defesa da honra" costumava ser utilizada, cinicamente, como atenuante para atos covardes como o que ele praticou. A desculpa não serviu para Lindomar. Seu julgamento foi acompanhado de perto por organizações feministas, que pressionaram para que se fizesse justiça. Sentença proferida, ele permaneceu preso até 1988, quando ganhou liberdade condicional por bom comportamento. Antes disso, já gozava de algumas regalias. Transferido para Goiânia, onde tem parentes importantes, ele ficava por longos períodos fora da prisão, sob pretexto de estar realizando serviços comunitários.
Lindomar se diz um novo homem. Trocou o cavanhaque por um rabo-de-cavalo. Parou de beber e de fumar. Não fala sobre o crime que o marcou indelevelmente – prefere chamá-lo de "o acidente" ou "a burrada". Tem até namorada, a funcionária pública Vera Cruz de Castro Lobo, de 49 anos. Não moram juntos. Lindomar vive com um irmão mais velho num confortável apartamento em Goiânia. "Não pretendo mais me casar. Prefiro cada um no seu canto, está bom assim." Ele afirma que está menos machista e cita um episódio para ilustrar o fato. "Uma vez, num dos raros shows que dei, um casal de gays pediu para que eu cantasse Nós Somos Dois Sem-Vergonhasem homenagem a eles. Achei estranho esse público apreciar minha música, mas no fim considerei tudo muito engraçado."
Curso de dança – O ponto mais delicado da reconstrução da vida do cantor é o relacionamento com a filha. Liliane de Grammont Cabral, de 20 anos, tinha 1 ano e 8 meses quando a tragédia aconteceu. Com a mãe morta e o pai na cadeia, foi criada pelos tios Carmen, irmã de Eliane, e Haroldo. Teve assistência psicológica, mas ninguém lhe contava sobre o que realmente tinha acontecido. Soube do assassinato na época do julgamento, por uma prima, aos 5 anos. Na família Grammont, o nome de Lindomar é tabu. "Meus tios evitam falar dele, mas também nunca julgaram em casa a moral de meu pai", diz Liliane, que é bailarina e estuda psicologia. Na adolescência, resolveu, enfim, conhecer Lindomar. Telefonou para ele. O cantor chora quando se lembra desse momento. "Eu esperei dezessete anos para ouvir minha filha me chamar de pai", emociona-se. Estabelecido o contato, o artista patrocinou um curso de dança de seis meses para a moça na prestigiada Juilliard School de Nova York. Só vieram a se encontrar pessoalmente em 1998, quando Liliane apareceu de surpresa na festa de aniversário do pai. Hoje Lindomar paga o seu curso de psicologia numa faculdade paulista. Mesmo assim, os dois não são próximos. Eles raramente se vêem. Liliane atualmente mora com outra tia, a jornalista Helena de Grammont, casada com o comentarista esportivo Juarez Soares. Lindomar não se sente à vontade em telefonar para lá. Quando a saudade aperta, pede para a sua namorada ligar e chamar Liliane. Em seu apartamento, coleciona as lembranças dos melhores momentos de sua vida – discos de ouro, pôsteres, troféus. Num lugar de destaque está a foto da filha.
Para relançar-se, o cantor arrendou as fazendas e abriu um escritório em Goiânia. Não tem secretária nem empresário. Ele próprio atende aos telefonemas e tenta vender os seus shows, a um cachê de 3.000 reais. Está de passagem marcada para Boston e Toronto, onde cantará para os brasileiros e portugueses que emigraram para essas cidades. O CD que sai em abril terá os maiores sucessos de sua época áurea e incluirá uma música composta na cadeia, Muralhas da Solidão. A letra tem versos como Essa dor eu transformo em sorriso/ E meu inferno em paraíso/ Ao plantar na lama e colher uma flor. "Tudo o que posso dizer é que lamento, de verdade, o que aconteceu", diz o artista. Há quase dezesseis anos, Lindomar submeteu-se a júri popular e foi condenado. Agora, espera com ansiedade o veredicto do público – que dirá se ele merece ou não ter sua carreira de volta.
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