Filme do Dia: Capitão Fantástico (2016), Matt Ross

 


Capitão Fantástico (Captain Fantastic, EUA, 2016). Direção e Rot. Original: Matt Ross. Fotografia: Stéphane Fontaine. Música: Alex Somers. Montagem: Joseph Krings. Dir. de arte: Russell Barne & Erick Donaldson. Cenografia: Tania Kupczak & Susan Magestro. Figurinos: Courtney Hoffman. Com: Viggo Mortensen, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Basso, Nicholas Hamilton, Shree Crooks, Charlie Shotwell, Trin Miller, Kathryn Hahn, Steve Zahn.

Ben (Mortensen), que cria seus filhos isolados da sociedade em uma região selvagem do Canadá, e sob uma rigorosa disciplina intelectual e física,  fica sabendo do suicídio da ex-mulher. Após certa pressão dos filhos, decide ir aos funerais dela com eles. O mais velho, Bo (MacKay), sonha em ir para uma das diversas universidades renomadas que teve carta de aceite. Já Rellian (Hamilton), é revoltado contra o pai. Quando chegam aos funerais, de forma festiva,  uma tensão surge com a família da falecida, sobretudo seu pai, o rico Jack (Langella), algo que já havia ocorrido na casa de sua irmã, Harper (Hahn). A situação fica ainda mais tensa quando Rellian decide ficar sob os cuidados do avó.

O filme, decepcionantemente, desde os seus momentos iniciais parece demasiado pré-fabricado para um potencial agrado do público, quando simula se tratar, na verdade, de uma narrativa passada em outra época ou em meio a uma tribo selvagem – logo, no entanto, os caucasianos se revelarão integralmente, por baixo da tinta que os camuflava enquanto “selvagens”. E o mesmo se pode dizer de todo o fausto de produção que acompanha a rotina rígida da família em treinamento, que nunca deixa sequer uma margem para que se pense, de fato, que as situações vividas são minimamente verossímeis tão embaladas se encontram para uma aproximação mais coerente com um parque temático de aventuras. E, tal como nos velhos ou novos filmes que exploravam as diferenças culturais, fossem de extraterrestres, indígenas ou seres que nunca haviam tido maior contato com a civilização ocidental, aqui um bando de hippies centralizados pela educação paterna entra em choque brutal com a sociedade de consumo mais avançada do mundo e o que se ressalta nesse choque é sobretudo motivo para o humor, pois tal como as paradisíacas e majestosas cachoeiras entrevistas anteriormente, fazem mover as engrenagens do espetáculo. De fato se achatar os valores de uma geração, por mais pobres, limitados e românticos que fossem, transformando-os em mero motivo de piadas como as que envolvem marcas esportivas é algo, no mínimo, indecente. E, provando a radicalidade da família em questão se inclui um Ben explicando a filha pequena o que significa estupro e intercurso sexual, sem qualquer suavização ou ainda despido diante de um casal de idosos, afirmando que o pênis é um órgão presente em todas as espécies. Ou ainda adentrando com a família em vestes coloridas e celebrativas, numa referência similar ao que seu homônimo efetuara para impedir o casamento de sua amada em A Primeira Noite de um Homem, só que aqui para impedir o funeral da mãe/esposa. Ou ainda inverter o sinal no caso do garoto revoltado da família, que gostaria de ser adaptado socialmente aos valores vigentes e não ter que celebrar o aniversário  de Chomsky. Não falta o episódio catártico que anunciará a possibilidade do herói se “redimir”, e esse é prenunciado na escalada ao telhado de Vespyr na mansão do avô, seguido por sua queda – que o avô tenha uma mansão em contraposição a vida sem posses da família é outra polarização a se tirar partido, inclusive sub-repticiamente de forma ideológica. E a difícil decisão a ser concretizada justamente em um banho em um banheiro luxuoso, algo completamente oposto à cultura hippie. Dito isso, o filme possui um ótimo senso de ritmo e roteiro e uma bela participação do veterano Frank Langella. E a interpretação de Mortensen é de longe a melhor coisa que o filme traz, trabalhando seu personagem maior que a vida com uma dignidade e ausência de sentimentalismo, mesmo que a contrapelo de apresentar sobretudo alguém demasiado aferrado a seus princípios. Algo que o final, evidentemente não se deixará pedra sobre pedra, havendo uma desnecessária “capitulação” não apenas do personagem como do próprio filme diante de um sentimentalismo barato do pior nível manipulativo. Com o filho rebelde rapidamente fazendo as pazes com o pai.  E para evitar que a capitulação soe excessiva um último gesto de rebeldia une a família, que é a exumação do corpo da mãe e uma vida nova, mais regrada e social com o pai, mas ainda “alternativa” e I Shall Be Released de The Band nos créditos finais, numa versão apropriadamente suavizada, tal como o personagem, agora “hippie, pero non mucho”. Destaque para a bela cena em que pai e filha discutem sobre Lolita de Nabokov, mais interessante que a piada de efeito que se segue, assim como a maior parte de outros momentos similares. O filme é visivelmente contrário ao que prega o pai, a respeito das ações ganharem ascendência sobre as palavras. Eletric City Ent./ShivHans Pictures para Bleecker Street Media/Universal Pictures. 118 minutos.

 

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