Filme do Dia: Boris Karloff: The Man Behind the Monster (2021), Thomas Hamilton
Boris
Karloff: The Man Behind the Monster (EUA, 2021). Direção Thomas Hamilton. Rot.
Original Thomas Hamilton & Ron MacCloskey. Fotografia Bruce Heinsius.
Música Laura Forrest Hay. Montagem Anuree De Silva & Folasade Oyeleye.
Maquiagem Jessica Fulmer & Peyton Yoder.
Típico documentário hagiográfico que inicia com a
associação de ícones do cinema enquanto personagens-monstros fatalmente
associados a seus atores originais, nos filmes de terror da Universal (Claude
Rains e o Lobisomem, Bela Lugosi e Drácula e, tema do documentário, Karloff e
Frankenstein). Partindo para o momento final de sua carreira, e também de
renascimento desta, com sua participação ao início de As Três Máscaras do
Terror (1963), de Mario Bava. Guillermo Del Toro fala de sua influência
deste filme sobre seu Chronos e um filme, que sua filha, de forte
semelhança física com ele, Sara Karloff, fala que o pai indicara aos filhos,
sua dublagem em Como o Grinch Roubou o Natal, curta dirigido por Chuck
Jones, além de seu último filme mais proeminente, Na Mira da Morte
(1968), de Peter Bogdanovich. Um de seus charmes, que poderá soar como
limitação para alguns espectadores, é seu caráter quase amadorístico, como se
percebe desde os letreiros a comporem seus créditos iniciais. O primeiro filme
a chamar a atenção para o ator, no qual possui participações espaçadas, foi O
Código Penal (1930), de Hawks. Lugosi, como é sabido, foi o sucessor de Lon Chaney, o homem das mil faces, morto antes da possibilidade de estrelar Drácula.
Com o inesperado sucesso do filme de Tod Browning, Lugosi era o escalado
inicial para Frankenstein (tais informações também estão presentes em
outro documentário, Terror Universal). A composição da complexa máscara “monstruária”
para o filme do novato James Whale, e sua icônica primeira aparição, de costas
e lentamente se virando, os olhos semicerrados, seria considerado um momento de
conversão como a caminhada de São Paulo para Damasco para o espirituoso del
Toro. A cena na qual o monstro joga a criança na água seria problemática para
Karloff e a lembraria dela com desprazer para o resto de sua vida, após ter
tentado driblá-la sem sucesso junto ao diretor. No ano de sua morte, ainda a
comentaria com desgosto. A discordância em público apresentada por Karloff em
relação a um comentário de Whale, tornou-o extremamente severo com o ator
durante o restante da filmagem. E ele era anunciado apenas pelo sobrenome, não
participando da divulgação do filme que o tornaria lembrado e uma estrela. Um
dos pecados maiores do documentário é não legendar na maior parte das vezes
quem está falando, e há alguns acadêmicos e críticos, inclusive destacados,
neste procedimento (Kevin Brownlow e Leonard Maltin para ficar em dois bem
populares ou conhecidos em seus respectivos campos); há trechos de uma preciosa
entrevista de Karloff a Brownlow também presentes ao longo do filme. Joe Dante
acredita ter o ator sido mal aproveitado em A Casa Sinistra, do mesmo
Whale. Provavelmente foi a fama de Karloff que fez a MGM produzir um filme
completamente atípico com sua identidade, A Máscara de Fu Manchu (1932).
Após sua última participação no talvez último clássico monstro da Universal em
primeira aparição, A Múmia, novamente no ano seguinte a adaptação do
clássico de Mary Shelley a quem a produção do estúdio imortalizaria a feição do
monstro – e novamente o trabalho de maquiagem é amplamente louvado. A nota
biográfica fala de um passado traumático, de um garoto criado na Índia e vítima
de racismo e preconceito na escola. Cujo irmão favorito assassinou um vizinho.
E cujo pai morreu quando ele ainda era jovem, enquanto a mãe enfrentava sérios
problemas de saúde. Karloff, na verdade William Henry Pratt, partiu então para
o Canadá, onde efetuou trabalho pesado para sobreviver, mas não se esqueceu do
teatro, onde rapidamente ascenderia a protagonista de peças amadoras –aparece
em um pequeno trecho de um filme produzido à época pela National Film Board of
Canada com Olive Wilton, sua futura esposa, que sempre guardará boas memórias
dele, mesmo depois de separada. Então foi para Hollywood, onde seria rebaixado
a condição de extra em sua primeira produção estadunidense, S.M., o
Americano (1919). Por conta de sua tez mais escura, Karloff era apenas
utilizado enquanto extra como tipos exóticos nos nove primeiro anos de sua
carreira. Houve uma carona em meio a uma chuva torrencial que lhe foi fornecida
por ninguém menos que Lon Chaney, que teria um papel decisivo nesta mudança e
sua escalação em The Bells (1926), de James Young. Onde vivencia o papel
do hipnotizador em uma cena visivelmente chupada de O Gabinete do Dr. Caligari, o que surpreendentemente não é comentado pelo filme, que apesar
do sucesso pouco, em si próprio, para mudar a rota do ator, ameaçado novamente
de se tornar extra não fosse sua participação no filme de Hawks O Código
Criminal. Um dos atores a lhe incentivar neste momento inicial igualmente
foi o sucessor de Lon Chaney em (pelo falecimento deste) Drácula, Bela Lugosi. Os dois
trabalharão juntos pela primeira vez em O Gato Preto (1934), de Edgar G.
Ulmer. Esta admiravelmente excêntrica
produção da Universal que une Karloff e Lugosi sem grande carga de maquiagem a
atrapalhar suas performances e fazendo uso pioneiro do que pode existir de
lúgubre na Tocata e Fuga em Do Menor BWV 565 de Bach muitas décadas
antes de Tarkovksi. No ano seguinte, como antecipando a fama maior de A
Noiva de Frankenstein, o documentário prefere se deter no bem menos
conhecido O Mistério do Quarto Escuro, sobrando ao mais famoso
acertadamente um comentário mais breve – inclusive comparando o suplício do
monstro ao de Cristo. O Código de Produção tornaria o gênero proscrito – muitos
cartazes ressaltando não se tratar de um filme de horror. A carreira de Karloff
sofre um substancial e esperado declínio, mas ele é o senhor da guerra chinês
em Às Portas de Xangai (1937), de John Farrow. O Filho de
Frankenstein, de dois anos após, foi a última vez que ele encarnaria o
monstro, em um filme cuja centralidade do mesmo já não é tão grande, inclusive
com a incisiva participação de Lugosi como Igor, que del Toro credita como a
melhor de sua carreira. Foi em meio às filmagens que Karloff foi surpreendido
com um bolo em comemoração ao nascimento de Sara, episódio narrado pela própria
enquanto observamos uma foto dele caracterizado como monstro, cercado de parte
da equipe do filme, e com o figurino sujo de bolo. Os Mortos Falam foi a
descida do ator às produções-B da Columbia, dez anos após seu filme mais
famoso. Karloff participaria então da mais relevante produção do gênero desde
os idos da década anterior que foram as produções de Val Lewton,
desconsideradas inicialmente por ele, reativo a qualquer tratamento mais
sofisticado do gênero. Porém quando conheceu o produtor, rapidamente mudou de
ideia e está em O Túmulo Vazio (1945), de Robert Wise, a mais relevante
das três produções que fará para Lewton. A Ilha dos Mortos, inspirado em
uma pintura, foi o segundo e o menos bem sucedido e último foi Asilo
Sinistro, também dirigido por Mark Robson. O trabalho com Lewton,
reasseguraria sua autoconfiança para voltar aos palcos em um momento no qual o
cinema não havia muito a lhe oferecer, para além de uma divertida ponta em Emboscada
(1947), de Douglas Sirk ou trivialidades com Abbot & Costello. Não era um
problema com ele, mas do gênero
conviver/competir com os horrores da Segunda Guerra Mundial. E teve suas
participações ao vivo em dramas para a TV. E foi igualmente o meio, que no
final dos anos 50 tornaria conhecido os
atores da geração do horror produzido pela Universal de boa parte dos depoentes desse documentário.
Na série Thriller, do início dos anos 60, além de apresentador, Karloff
atuou em uns poucos episódios, motivo uma vez mais para se tornar conhecido das
novas gerações. Então o ator participará de uma terceira geração de filmes de
horror estadunidenses, colaborando com Roger Corman no terror cômico O Corvo,
ao lado de Peter Lorre. E, ao mesmo tempo Corman filmou também com Karloff e a
mesma equipe Sombras do Terror. Volta-se a animação de Chuck Jones, que
soube explorar uma das maiores qualidades do ator: sua voz. Então veio Na Mira da Morte de Bogdanovich. E nesse é ressaltado seu monologo de duas
páginas inteiras de roteiro, filmado as duas da manhã, mesmo com as debilidades
físicas do ator. E aplaudido após o final dela. Embora seja considerado seu
último filme, ainda participou de oito produções. Ao aparecer no programa ao
vivo The Red Skelton Show, ao lado de Vincent Price, em que quando não
estava interpretando se deslocava em cadeira de rodas e com uma máscara de
oxigênio. Quando Sara Karloff, sempre impassível e nunca dominada pela emoção,
fala do extraordinariamente duradouro legado, em termos de memória, do seu pai,
se dever aos fãs, observamos várias referências de cartazes, objetos,
merchandising e uma delas diz respeito a animação em stop motion A Festa do Monstro Maluco, na qual o protagonista é visivelmente inspirado no
Karloff idoso. Com todas as limitações que este espectro de documentário traz,
e algumas delas contam até a seu favor, como os evidentes modestos recursos
embora a lista de depoentes seja bem mais extensa que os citados, trata-se de
um genuíno tributo a um ator, fazendo uso cronológico e vasto de sua extensa
filmografia, chegando ao detalhe de apresentar até cenas de filmes nos quais
foi um mero extra e pouco voltado para sua vida pessoal – além das informações
de seu passado turbulento e de seus cinco casamentos, apenas a referência a
duas de suas esposas surge por conta de se encontrarem vinculadas a sua
profissão, transformando-se nesse sentido em uma louvável exceção em um período
no qual a intimidade exposta e o show do eu, mesmo em relação a personalidades
falecidas, torna-se muitas vezes bússola. |Repo Films/Voltage Films. 99
minutos.
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