Filme do Dia: A Última Etapa (1948), Wanda Jakubowska

 


A Última Etapa (Ostatni Etap, Polônia, 1948). Direção Wanda Jakubowska. Rot. Original Wanda Jakubowska & Gerda Schneider. Fotografia Bentsion Monastyrsky. Música Roman Palester. Dir. de arte Roman Mann & Czeslaw Piaskowski. Com Tatjana Gorecka, Antonina Gordon-Górecka, Barbara Drapinska, Aleksandra Slaska, Barbara Rachwalska, Wladislaw Brochwicz, Edward Dziewonski, Kazimerz Pawlowski.

Grupos de pessoas de diversas origens é aprisionada e levada ao campo de concentração de Auschwitz. Lá são separadas por gêneros. Dentre as mulheres, encontra-se Marta Weiss (Drapinska), que se torna quase imediatamente intérprete, por ser uma das poucas que sabe alemão, Eugenia (Gorencka), prisioneira que se torna médica e uma das vozes mais ativas na resistência à barbárie que vivenciam

O que mais chama nossa atenção nessa produção, provavelmente a primeira ou ao menos uma das primeiras ficcionais a retratar em detalhe os campos de concentração – realidade que chegou a ser documentada, em sua libertação, por Hitchcock e George Stevens – é o quão direta é sua apresentação do modus operandi do mesmo, e toda sorte de atrocidades são descritas, que transformam as produções hollywoodianas em artigos de perfumaria. E,  tampouco a origem de tudo na racionalidade, sistematicamente voltada para a morte, exemplificada no discurso do nazista que explica sobre a potencialização da morte em massa que se terá a partir de uma maquete. Algo que já fica disposto em seus planos iniciais que, sem qualquer anteparo, observam a captura de judeus na rua por nazistas – cena, inclusive, que chamaria a atenção e seria inclusa no documentário Women Make Film. Não é para menos. Jabolowska havia sido, ela própria, uma sobrevivente de um dos campos. Então o filme move-se sob a égide de um caráter testemunhal. E, para tanto, faz-se necessário deixar-se lado protocolos entranhados, mesmo em filmes europeus de realizadores renomados, e que também trabalhavam com temas históricos ocorridos recentemente, como o Roma: Cidade Aberta, de Rossellini. Não se delineia com grande clareza as personagens, não há grande apuro estilístico e, mais que tudo, refrea-se o sentimentalismo, como se pode observar na morte por envenenamento de um bebê saudável por um oficial nazista. E as mulheres ganham um destaque raramente visto em filmes sobre a temática, já que é um campo feminino e ampara-se nas experiências vividas por sua roteirisa-diretora. Dentre os momentos mais significativos, o que se inicia um canto coletivo do hino francês, com a imagem dos fornos crematórios ao fundo, em um contraste entre a premissa libertária-igualitária de sua letra e um dos pontos mais baixos que se chegou em termos de brutalização programada e genocídio. Ao optar por uma coralidade que faz o uso do recurso por Rossellini convencional, corajosamente abdica de qualquer identificação centrada em personagens específicos, deslocando-os para os grupos. Embora o faça, apenas episodicamente, através de personagens como Eugenia. Dito isso e registrado certo descaso com o estilo e até mesmo se possa imaginar os percalços que uma produção do tipo deve ter enfrentado à época, há indícios que vão no outro sentido. É o caso do uso abrangente que se faz de travellings e gruas (algo que somente realizadores mais próximos do capital estrangeiro, como o De Sica de Ladrões de Bicicleta, tinham acesso no caso neorrealista contemporâneo). E também da impressionante quantidade de extras que avançam, ladeados por soldados nazis e seus cães.  Ou ainda de saídas que nada ficam a dever a um Hitchcock, como o da transição entre planos que o fundo em negro se confunde com o casaco vestido pela personagem. Ou, e de forma menos trivial, reúne as sombras das músicas com seus violinos sobre as fossas, numa clamorosa mescla em que uma produção artística sofisticada se mistura à barbárie animalesca que domina o ambiente. Os fossos e a lama, assim como as próprias edificações, faz-nos pensar se de fato teria sido filmado em um campo – e, de fato, parcialmente foi. É um elemento que traz mais um dado realista importante. Para uma produção tão comedida, em termos de evitar facilidades identificatórias demasiado rasas, o final pode soar em oposição ao tom predominante, quase um “resgate de último momento” a la Griffith. |P.P. Film Polski. 108 minutos.

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