Filme do Dia: Utopia e Bárbarie (2009), Sílvio Tendler
Utopia e Barbárie (Brasil, 2009).
Direção e Rot. Original: Sílvio Tendler. Música: Cabruera, Caíque Botkay,
BNegão e Marcelo Yuka. Montagem: Bernardo Pimenta.
Memórias da utopia do pós-guerra são
construídas através de imagens de arquivo e reflexões de intelectuais sobre
momentos-chaves do mundo como o bombardeio a Hiroxima e Nagasaki, a Guerra da
Argélia, a tentativa fracassada de independência do Congo, a Revolução Cubana, a Revolução Cultural chinesa, a Guerra do
Vietnã, a Primavera de Praga, o Maio de 68 e as ditaduras militares na
Argentina, Chile e Brasil, chegando aos movimentos de fim do socialismo no
Leste Europeu e o impeachment de Collor, com breves referências aos
novos movimentos sociais e as vitórias de Morales, Lula e Obama. Apesar da
amplidão de seu tema, Tendler consegue se sair razoavelmente bem na empreitada,
mesmo que ao abranger uma arena histórica tão vasta e ousada quanto a de um
Hobsbawn, não se tenha a mesma complexidade da abordagem que se detém sobre os
anos de chumbo no Brasil no restante do filme. De quebra, há uma reflexão
sensível que aponta para uma visão pós-degelo do sistema soviético, em que se
considera tanto a consciência da utopia caminhando junto com a barbárie, quanto
a necessidade da utopia para a própria razão de ser da humanidade, mesmo que a
contraposição de 1989 com 1968, pareça ir além da presença de Collor na
presidência do país e seu posterior impechament
e pareça se referir igualmente a nova ordem mundial, ou seja, lamentando o
próprio desmonte do aparato socialista. O cinema, evidentemente, tem uma grande
parcela no aporte dado, não apenas através do grande número de cineastas
depoentes, mais expressivo do que qualquer outro (Fernando Solanas, Francesco Rosi, Amos Gitai, Gillo Pontecorvo, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade em
imagem de arquivo, Denys Arcand, Luis Carlos Maciel, Sérgio Santeiro, entre
outros) como também em clipes de filmes, boa parte deles ficcionais, que são
utilizados igualmente como testemunhas do século passado. Além das imagens de
arquivo e das entrevistas, o filme também se apóia em imagens realizadas pela
própria equipe do cineasta em alguns dos países que serviram de eixo para sua
jornada transcontinental como Vietnã, Israel-Palestina, Itália, Uruguai, Cuba,
Alemanha, Chile. Pena que nem sempre o documentário possua a verve com que
pinça a imagem de um popular que é o único a sorrir em meio ao que aparenta ser
um grupo de classe média que possui sua poupança confiscada pelo Plano Collor.
É essa leitura a contrapelo ou ao menos distanciada da mera ilustração para a
narração ou os depoimentos que talvez falte com maior intensidade, mesmo se
tendo em conta que a melhor realização de Tendler se deu em moldes igualmente
convencionais do fazer documentário (Jango).
Conta ainda, dentre outros, com os depoimentos de Leonardo Boff, Susan Sontag,
Eduardo Galeano, Dilma Rousseff, Franklin Martins, Jacob Gorender, Leandro
Konder, Marceline Loridan (vítima do holocausto que fora um dos “personagens de
Crônica de um Verão, de Rouch), Zé
Celso Martinez, Gianni Vatimo. O fato dos cineastas se tornarem menos
representativos na seleção dos entrevistados brasileiros com relação ao
conjunto pode ser esclarecedor dos contatos com figuras de renome internacional
se tornar mais fácil com colegas de profissão, e a presença de Joaquim Pedro, e
não Gláuber (a quem o cineasta já dedicou o pouco inspirado Gláuber – Labirinto do Brasil), como o
cineasta falecido de quem é destacado depoimento e imagens (de Os Inconfidentes) também são dignos de
nota. Só a perspectiva de abordar grandes temas, algo praticamente banido do
universo documental contemporâneo, por si só, já parece convidativo. Caliban
Prod. Cinematográficas. 120 minutos.
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