Filme do Dia: Uma Voz nas Sombras (1963), Ralph Nelson

 


Uma Voz nas Sombras (Lilies of the Field, EUA, 1963). Direção: Ralph Nelson. Rot. Adaptado: James Poe, a partir do romance de William E.Barrett. Fotografia: Ernest Haller. Música: Jerry Goldsmith. Montagem: John W. McCafferty. Cenografia: Robert Eaton. Figurinos: Wesley Sherrard. Com: Sidney Poitier, Lilia Skala, Lisa Mann, Isa Crino, Francesca Jarvis, Pamela Branch, Stanley Adams,  Dan Frazer, Ralph Nelson.

Homer Smith (Poitier), com dificuldades em seu carro no meio do deserto, surge como um presente às súplicas de um grupo de irmãs de origem alemã-austro-húngara, comandadas pela firme Madre Maria (Skala). O sonho da Madre é construir uma capela, onde as missas do vacilante Padre Murphy (Frazer) possam ser rezadas. Com grande dificuldade econômica, mas com ajuda dos humildes moradores da região, a maior parte de origem mexicana, Homer inicia a construção da capela. Ele consegue um trabalho alguns dias da semana, enquanto nos outros se aplica a construção da capela, em ritmo lento. Após desentendimentos com a madre superiora e ausência de material de construção, ele desaparece por três semanas. Porém, a Madre tem certeza que ele retornará, como de fato retorna. E, após a resistência de Homer, o grupo liderado pelo dono do bar local, Juan (Adams), integra-se à construção da capela, sendo que em pouco tempo o caos se estabelece. Sob as ordens de Homer, no entanto, a obra volta a fluir e é concretizada. Ele, no entanto, resolve, partir antes de sua inauguração.

Que essa tola, paternalista e sentimental produção tenha sido a que laureou Poitier com o Oscar é algo que dá um parâmetro de quão conservadora, via de regra, é a indústria cinematográfica. De fato, ainda menos que na década passada seu personagem apresenta o mínimo risco ou tensão para as mulheres brancas, significativamente não americanas, para evitar que o tratamento subalterno ao qual ele próprio se impõe, tornando-se o motorista delas em seu próprio carro, e obcecado pela construção da capela com suas próprias mãos, e de preferência sozinho, não soe vexatório aos brios negros. E, como em praticamente toda a sua filmografia, antes e depois desse filme, incluindo um dos poucos que tematiza uma relação afetiva (Quando Só o Coração Vê), seu personagem é plenamente assexuado, quando o tema de um homem em meio a um universo  exclusivamente feminino, também composto por freiras por sinal, já havia sido motivo de fantasias sobre a sexualidade reprimida muito tempo antes (Narciso Negro). Tudo segue padrões demasiado estabelecidos para parecer minimamente instigante, como é o caso do homem de negócios que surge como uma tentação a buscar “corromper” a alma do bom Homer, recebendo como resposta a antecipação da consecução de um espírito livre, tal como o do heróis do western, ou daquele que foi descrito por seu homônimo célebre na literatura, que pretende seguir sua jornada errante, após a missão desinteressada cumprida. De forma semelhante, inverte-se os sinais, agora é um negro no comando, ao menos da obra, mas não se escapa da necessidade de uma voz de comando para que a operância prevaleça sobre o caos. E a redundância impera de forma irritante com que se conjuga trilha sonora, atuações carregadas e olhares a duplicar a expectativa de reação que se quer do espectador. O abandono de Homer antes do reconhecimento dele como figura seminal, senão mesmo indispensável, para a construção da capela, pode ser lido diegeticamente como uma prova de sua humildade e entrega desinteressadas, bem antenadas com o viés um tanto carola do filme, mas igualmente como a concretização de sua aceitação enquanto figura à margem da sociedade. Seja como for, sua partida antes da celebração inicial na capela, poupa-nos de mais do mesmo. Filmado no Arizona, embora a localização precisa de onde a história ocorre não seja definida, à guisa talvez de manter a sua pretensão de fábula universalista.   Rainbow Productions para United Artists. 94 minutos.

 

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