Filme do Dia: Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta (2010), Diana Andringa
Tarrafal:
Memórias do Campo da Morte Lenta (Portugal, 2010). Direção: Diana Andringa.
Fotografia: João Ribeiro. Montagem: Cláudia Silvestre.
Os depoimentos memorialísticos
sobre a tortura e aprisionamento sofridos no passado, que já havia ganho
destaque em As Duas Faces da Guerra, de três anos antes, aqui ganham um
protagonismo ainda bem maior. E, como naquele, parte-se de uma lista de nomes
de pessoas vítimas dos governos autoritários – lá um monumento hoje
sobrevivendo em estado de grande degradação em meio ao mato, aqui uma lista
posta em um museu, onde alguns dos sobreviventes às torturas e ao tempo se
reconhecem, assim como as fotos. Trata-se de um campo de prisioneiros, ou de
concentração, como também era conhecido, de Tarrafal, em Cabo Verde, para onde
eram enviados presos políticos considerados indesajáveis à ditadura portuguesa.
Observa-se, em idade avançada, a visitarem o próprio museu onde há uma exposição
(permanente?) sobre eles próprios, com fotos grandes na parede, que foi
construído onde outrora fora o campo de prisioneiros, seguindo iniciativas
efetuadas ao redor do mundo, que tiveram provavelmente como base os campos de
extermínio judeus. Mesmo nos momentos de mais potencial emoção, como a
visita-tributo a dois companheiros mortos, que se encontram enterrados lá
próximo, não se explora essa emoção, e raramente se vê lágrimas dos depoentes
que, via de regra, falam sobre um equivalente de “fundo neutro” com diminuta
profundidade dos documentários talking heads, que vem
a ser as próprias paredes marcadas também de memórias da prisão. E em sua maior
parte conseguem segurar a emoção por si próprios, mesmo quando relatam coisas
das mais hediondas, como o prisioneiro que foi castigado ao ponto da órbita do
olho descer pela face e deitar sangue pela boca e orelhas. Em alguns momentos,
não muitos, faz leitura de documentos da burocracia da instituição, como o que
referenda a fala de alguns depoentes sobre o preso que teria ficado maior tempo
detido, Bernardo Mango, e teve perturbações psicológicas graves, recusando-se a
falar sobre o que ali havia vivenciado posteriormente. Ele havia sido professor
de vários dos que hoje testemunham para a lente de Andringa. E embora
funcionasse em Cabo Verde, o documentário se detém em sua maior parte do tempo
sobre os cem presos enviados da Guiné, e que esse governo era responsável por
manter, o que não o fazia em termos de envio de mantimentos, o que tampouco era
suprido a contento pelos administradores do presídio, resultando em uma
alimentação, via de regra, insuficiente. As correspondências, para as quais
foram liberados de trocar um mês após se encontrarem confinados, sofriam de
censura que não se escondia, aparecendo com lacunas de trechos, e ao qual
muitas vezes os leitores tinham que tentar-lhes adivinhar o sentido. Quando os
últimos presos guineenses foram transferidos de Tarrafal (52 em 1969), os
angolanos que se encontravam envolvidos também na luta pela independência de
seu país começaram a ocupar os seus lugares (assim como se torna o momento de
fala desses no documentário). Um dos
presos afirma que, após a reclusão, não havia mais divisão entre MPLA e UNITA,
os dois grupos principais que lutavam pela independência de Angola, mas sim uma
pauta comum pela liberdade e a independência do país. Segundo outro dos
depoentes, havia uma interessante corrente de ensino, em que os que possuíam
ensino superior ensinavam aos que tinham ensino médio, e esses aos que tinham
somente o primário, até chegar aos que eram analfabetos. Foram transferidos
alguns deles para a ala dos presos comuns, o que torna a sorte melhor, já que
lá eram cuidados por policiais caboverdianos que não haviam sido treinados em
práticas de repressão brutal como haviam sido os portugueses. É um momento em
que também chegam presos do próprio Cabo Verde, que são proibidos de manterem
contato com os angolanos. Um deles a respeito das fortes torturas sofridas com
os companheiros que, quando alguém possui um forte senso de determinação em relação as suas ideias, isso
ajuda bastante na resistência, mesmo física, às sevícias. Três das mais
importantes lideranças dentre os caboverdianos foram soltas logo após o
assassinato de seu líder independentista, Amílcar Cabral, já que achavam que a
insurreição havia findado com sua morte. E, pouco tempo depois, eles próprios
ouviram da prisão gritos pela libertação deles e uma entrada na instituição de
populares. E, evidentemente, mais que em seu filme anterior, há uma certa
urgência que o aproxima de colorações jornalísticas tanto ou mais que documentais, pois tudo
transcorre, como ficamos a saber nos créditos finais, assim como já havia
indicações ao início, que o grande número de veteranos havia se reunido em
razão de um simpósio internacional, ao qual paralelamente trazia as mostras
observadas rapidamente, o que talvez também explique seu fim algo súbito, em
que o emocionante momento de libertação, advindo com a queda do líder português
Marcelo Caetano, é observada com certa ligeireza. O Ganho do Som Studio. 91 minutos.
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