Filme do Dia: Cabra-Cega (2004), Toni Venturi

 


Cabra-Cega (Brasil, 2004). Direção: Toni Venturi. Rot. Original: Di Moretti, a partir do argumento de Fernando Bonassi, Roberto Moreira & Victor Navas. Fotografia: Adrian Cooper. Música: Fernanda Porto. Montagem: Willen Dias. Dir. de arte: Cláudia Minari & Francisco de Andrade. Figurinos: Carolina Li. Com: Leonardo Medeiros, Débora Duboc, Jonas Bloch, Michael Bercovitch, Bri Fioca, Walter Breda, Odara Carvalho, Renato Borghi.

Thiago (Medeiros) faz parte de um grupo de esquerda armada e se encontra refugiado no apartamento do jovem estudante de arquitetura, Pedro (Bercovitch). Sua tensão é grande, pois se vive um momento de desbaratamento de quase todas células de resistência e a morte de seus principias líderes, como Lamarca, que Thiago assiste pela televisão. Fazem parte do restrito convívio de Thiago, além de Pedro, com quem sempre entra em tensão, por achá-lo demasiado alienado, a jovem militante Rosa (Duboc), balconista e dublê de enfermeira, e o veterano Mateus (Bloch), que procura refrear a impulsividade quase suicida de Thiago. Posteriormente, ele se renderá aos convites de uma velha espanhola (Fioca), que o identificará com a figura do filho, morto pela ditadura de Franco. Com cartazes pregados em toda a cidade, Thiago resolve dar uma saída pelas ruas  e acaba vendo o cadáver de Mateus, assassinado em plena rua pelos policiais. Ele acredita que Pedro foi o delator, para só depois perceber que sua desconfiança fora equivocada, selando uma cumplicidade entre o trio.

A quantidade de filmes sobre os anos de chumbo do regime ditatorial militar vem crescendo, embora ainda falte um filme que realmente tenha trabalhado sobre esse momento histórico e  se tornado senão um grande filme, seja em termos artísticos ou pelo menos enquanto simplesmente bom filme de ação. Nesse sentido, o filme de Venturi não é exceção. Seu olhar que pretende se deter sobre um enfoque ainda não trabalhado pela dramaturgia anterior, da tensão de um confinamento forçado em um apartamento e da paranoia que ronda a todos os personagens, não consegue tampouco ir além. Seus eventuais cacoetes com relação ao trabalho de câmera, com um gingado aparentemente desestabilizador, que busca um tom mais realista e documental, já foi por demais domesticado desde o Dogma-95 e, assim como suas atuações medianas, não conseguindo esconder a própria fragilidade da estrutura narrativa. Nessa, personagens surgem e desaparecem sem maiores motivações – caso, principalmente da companheira de guerrilha do protagonista. Por outro lado a personagem da velha vizinha é apenas utilizada como uma falsa pista de aparente tensão sobre a delação do protagonista e o filme não consegue expressar de todo a que veio. E ainda existe o habitual momento da catarse do herói aprisionado, vivendo alguns instantes de liberdade e amor ao ser levado pela companheira para o teto do edifício onde se esconde. As imagens documentais da violência nas ruas e canções da época apenas acentuam o tom “fake” do filme e, curiosamente, a opção pela elipse da  ação quando os jovens finalmente pretendem agir, ao final, acaba movendo um final semelhante ao de Os Sonhadores, de Bertolucci. Com duas diferenças: aqui soa completamente inverossímil a decisão de participar da luta armada por parte de Pedro e a sua disposição para a luta sinalizada pelo estoicismo e charme com que são caracterizados, parece se chocar com a mais tímida e realista opção de Bertolucci e, pior, com o próprio comedimento apresentado até então pelo filme. As referências cinematográficas, seja a já por demais desgastada seqüência dos vizinhos observados da janela em Janela Indiscreta ou o nome da heroína, o mesmo de Deus e Diabo na Terra do Sol, tampouco são mais que isso, referências, o que o depõe ainda uma vez mais negativamente quando comparado ao filme do cineasta italiano, que ao menos inseriu tais referências de uma maneira um pouco mais criativa. Olhar Imaginário. 107 minutos.

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