Filme do Dia: Versus: The Life and Films of Ken Loach (2016), Louise Osmond
Versus:
The Life and Films of Ken Loach (Reino Unido, 2016). Direção: Louise Osmond.
Fotografia: Roger Chapman. Música: Roger Goula Sarda. Montagem: Joby Gee.
O
título desse documentário hagiográfico sobre o célebre realizador britânico
quando dirigia e cuidava de aspectos da produção de Eu, Daniel Blake pode ser observado enquanto trocadilho com um
clichê biográfico (The Life and Times
of...) quanto, acrescido de sua primeira expressão uma contraposição que
pode ser lida como a da vida privada e figura pública de Loach, e sobretudo
seus filmes, algo incensado por seus filhos em breves aparições, como – e mais
incisivamente – pelas contraposições postas ao início do mesmo: mestre do
realismo x cão raivoso marxista, gênio x pulha, o grande guerreiro x filminhos
repulsivos. É mais que explícito que o filme, pela própria companhia que
produziu poucos filmes além dos do próprio Loach, tende a ficar de um dos lados
dessa contraposição, o que nada tem de vergonhoso em si mesmo, porém não
necessariamente precisaria sonegar por completo o ponto de vista de seus
detratores, que são observados apenas através de absurdos lampejos como o
comentário do crítico de um jornal popular britânico que afirma não ter visto
um filme de Loach por também não ter lido Mein
Kampf. Seria mais digno se observar os que também possuem críticas não
apenas às posições políticas de Loach, mas igualmente as estéticas, já que as
próprias contraposições grotescamente caricatas postas ao início por vezes dão
azo às construções dramáticas de vários de seus filmes, onde não existem meios
tons e o maniqueísmo impera. Já de início o documentário sabe muito bem colocar
as duas questões essenciais para o cinema elaborado por Ken Loach. Trata-se de
um cinema que investiga duas forças sociais que se contrapõem que são inimigas
e, como o próprio Loach afirma, “se você diz como o mundo é, isso é
suficiente.” São duas questões que não se encontram desvinculadas, embora se
encontrem longe de terem o deslize em termos de união posto por um dos
depoentes, que afirma que se se tem interesse pelo mundo tal como é, nenhum
elemento possui maior efeito dramático que o da política. Apresenta imagens dos
raros filmes produzidos para a TV de Loach, muito além do mais célebre Cathy Come Home (1966), dos polêmicos
documentários que realizou na Era Thatcher e menospreza, assim como de um
momento em sua carreira, nos idos da década de 1990, que envergonhadamente admite, o da realização
de comerciais, dentre os quais para a Nestlé
e a Macdonald’s, pois não havia possibilidade de ter projetos aprovados
para o cinema, capitulando por necessidade extrema tal como alguns de seus
personagens. Embora seja enfatizado algo dramaticamente que poucos cineastas do
porte de um Loach ficaram tanto tempo afastados de seu meio de expressão
principal, trata-se de uma meia-verdade pois não leva em conta o fiasco que foi
a co-produção com a Alemanha Fatherland
(1975). Tal como se empunhasse o discurso do próprio realizador e sua liberdade
em fomentar a narrativa sobre sua própria carreira, existem oportunos “esquecimentos”. Há um momento
em que sua integridade é posta a prova, a realização de um projeto teatral da
autoria de seu habitual colaborador, Jim Allen,
que dizia respeito a judeus que traíram os seus e compactuaram com o
projeto nazista, que Loach fincou pé, mas o diretor artístico do grupo
teatral, Max Stafford-Clark, sob intensa
pressão da imprensa, retrocedeu. Observa-se a discrepância no discurso
evocativo de Loach e do diretor do teatro, o primeiro afirmando que errou
duplamente ao ter aceito a produção e depois ao cancela-la. Para Loach, no
entanto, não se tratou de um erro, mas de covardia a partir de uma escolha
moral. Porém, mais adiante ele complementa, justamente a partir dos comerciais
que dirigiu, que a mesma acusação de traição que ele fez a outras pessoas, como
é o caso de Stafford-Clark, ele também o havia feito. Embora pouco se explore
da construção do universo visual do cineasta, o próprio Loach admite a
importância fundamental da forma de filmar os personagens de Milos Forman para
seus primeiros trabalhos, tentando traduzir a sensação de se encontrar em meio
aos mesmos. Sobre a atriz que se tornaria sensação após os telefilmes de Loach
como A Lágrima Secreta, Carol White,
de morte precoce, um dos depoentes afirma que ela se deveu a sua partida para
Hollywood, pois se estivesse entre eles ainda estaria atuando. De resto pode-se
dizer que a dimensão pessoal é bem mais restrita que a relativa a sua obra,
apesar do título, referendando a figura aparentemente tranquila de gentleman
como afirma alguém, a respeito de Loach, ainda tido como provavelmente o mais polêmico cineasta de esquerda que o
Reino Unido já viu aparentemente. Depoimentos, dentre outros, de Sir Alan Parker, que afirma sobre o impacto que provocou o realismo trazido para a TV
britânica, até então dominada por soporíferos teleteatros de estúdio, os
primeiros filmes de Loach, David Bradley, o protagonista de Kes, o diretor de fotografia Chris
Menges, a até então não atriz Crissy Rock, insegura sobre se de fato daria
conta do papel que vive em Ladybird,
Ladybird e Hayley Squires, atriz principal de Eu, Daniel Blake, contando o quanto vibrou quando foi selecionada.
Sixteen Films para BBC Films/British Film Institute. 93 minutos.
Comentários
Postar um comentário