Filme do Dia: Eu Me Lembro (2005), Edgar Navarro
Eu Me Lembro (Brasil. 2005). Direção e Rot.
Original: Edgar Navarro. Fotografia: Hamilton Olilveria. Música: Tuzé de Abreu
& Edgar Navarro. Montagem: Jefferson Cysneiros & Edgar Navarro. Dir. de
arte: Moacyr Gramacho & Shell Jr. Figurinos: Moacyr Gramacho. Com: Lucas
Valadares, Fernando Neves, Arly Arnaud, Valderez Freitas Teixeira, Wilson
Mello, Rita Assemany, Fernando Fulco, Analu Tavares, Dantlen Mello, Victor
Porfírio.
Guiga (Porfírio) é um
garoto que cresce temente do sexo e da religião. Sua habitação é repleta de
parentes, agregados e empregados. Aos poucos, enquanto cresce, ele vê
desaparecer algumas de suas figuras de infância, como o tio que parte numa
noite (Fulco), a irmã que vai ao convento e a própria mãe (Arnaud), que falece.
Os conflitos com o pai se tornam crescentes quando Guiga se torna jovem adulto
(Valadares), até que uma noite o pai sugere um “pacto de não agressão”. Morando
sozinho, em pleno auge da repressão militar, Guiga descobre as drogas e o sexo
e tenta exorcizar seus demônios.
Navarro, um dos nomes
mais expressivos do ciclo do Super-8 nos anos 1970, visivelmente influenciado
por Fellini (de 8 e ½ e Amarcord, sobretudo), revisita com
sensibilidade sua própria infância e juventude, assim como dos valores e
fantasmas de toda uma classe média do período (nessa sentido, sua agridoce
reconstituição do cotidiano doméstico se torna mais próxima da de Terence
Davies). Felizmente não é o contexto histórico que vence sobre a dimensão
individual dos fatos e nem se trata aqui de fazer casar personagem e eventos
históricos para se traçar um ajuste de contas com o passado, por mais
fantasioso que esse seja (a exemplo de Forrest
Gump). A curiosidade com relação ao sexo é o tema predominante da infância
e Navarro investe no tema apresentando situações de franqueza constrangedora
com relação ao desejo infantil, como o que o protagonista flagra o irmão
fazendo sexo com uma das empregadas ou que o jovem herói se masturba no
banheiro, sexualidade sempre apresentada de modo menos explícito pelo
cinema. O modo como Navarro conta sua
história é bastante convencional e, mesmo assim, mais interessante que seu mais
radical média metragem, SuperOutro.
Aqui a voz over que representa o
protagonista favorece a liga entre os episódios esparsos de sua biografia, com
um leve tom de ironia, mas distante do cinismo. Existem soluções visuais belas
a partir de elementos bastante simples, como um fade em um pôr-de-sol que bem poderiam servir como metáfora para o
próprio filme como um todo, que busca, e de certo modo consegue, construir-se a
partir de lugares-comuns um tanto quanto universais, mesmo que tampouco o
elemento nacional e mesmo local seja evidentemente esquecido. Outra solução
interessante foi incluir suas referências cinematográficas no filme, mesmo que
sob formas um tanto óbvias, como o círculo de pessoas que representaram
momentos importantes nas memórias do protagonista o rodeando, tampouco livre de
ser o centro do universo quanto na infância, como é o caso da referência a 8 e ½ ou ainda a Sganzerla e Gláuber na
mesma seqüência na praia sem apelar para comentários cinéfilos por parte do
próprio personagem. Outro ponto positivo
é se apoiar em um elenco que se encontra longe de grandes nomes ou do sucesso
televisivo contemporâneo à sua produção e que consegue vivenciar seus papéis de
modo relativamente uniforme e integrado. Não há shows de interpretação ou de
catarse dramática isolados, o que torna ao final de contas mais intenso o que é
apresentado (algo que foi configurado, de modo ainda mais seco e
anti-sentimental na reconstituição da infância do cineasta Terence Davies em
sua trilogia). TRUQ Cinema e Vídeo. 108 minutos.
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