Filme do Dia: Hasta Después de Morta (1916), Ernesto Gunche & Eduardo Martinez de la Pera




Hasta Después de Morta (Argentina, 1916). Direção: Ernesto Gunche & Eduardo Martinez de la Pera. Rot. Original: Florencio Parravicini. Com Argentino Gómez, Silvia Parodi, Florencio Parravicini, Pedro Quartucci, Orfilia Rico, Enrique Serrano, María Fernanda Ladrón de Guevara.
Jovem Elvira (Parodi), recém-empregada como secretária, procura a pensão de uma senhora (Rico), onde se apaixona por um dos dois irresponsáveis acadêmicos de medicina, Luis. Porém, enquanto Luis se envolve por interesse com uma filha de um milionário, Garramuño, seu colega de quarto, apaixona-se de fato por Elvira.  Bêbado, certa noite após chegar de uma recepção na casa de sua rica pretendente, Luis tenta forçar um encontro amoroso com Elvira. A dona da pensão e Garruño acodem. Por amor a Luis, Elvira chega a roubar o seu próprio patrão e é demitida. O dinheiro serve para que Luis compre um caro regalo para sua noiva. Garruño, ao saber de tudo, consegue dinheiro com a dona da pensão e o devolve ao escritório de Elvira. Quando esse a encontra novamente no quarto com Luis, uma discussão entre ambos provoca a ruptura da amizade, indo Garruño dormir em outro quarto. Luis tenta envenenar Elvira através da prescrição de uma receita. Essa descobre o verdadeiro interesse de Luis. Elvira foge da pensão. Garruño pede a auxílio a polícia e a garota é encontrada. Após se estabelecer como preceptora na casa de uma rica família por intervenção de Garruño, Elvira se descobre grávida. Enquanto isso, o noivado de Luis é oficializado com a jovem rica. Internada em um asilo, Elvira morre no parto e a criança que sobrevive, fica aos expressos cuidados de Garruño. No momento em que o cadáver ainda se encontra no hospital, Garruño o apresenta a Luis que, enlouquecido de remorso, desiste do casamento e da promissora carreira e parte para um exílio voluntário. Muitos anos depois ele retorna e vai com o filho, já crescido, visitar o túmulo de Elvira.
Notável não apenas por ter conseguido preservar algo do material de longa-metragem ficcional da década de 1910, o que definitivamente não ocorreu no caso brasileiro, o filme da dupla (de La Pera e Gunche já haviam realizado no ano anterior Nobleza Gaucha) é interessante para além da curiosidade museográfica, ao apresentar uma relativa sofisticação narrativa para o período, provavelmente sem paralelo no caso brasileiro. Apresentado através de um imenso flashback que cobre praticamente o filme inteiro, numa estratégia que antecipa o célebre O Gabinete do Dr. Caligari (1919), somente em retrospecto se torna compreensível o que seu melancólico prólogo, apresentando a criança e um adulto em um cemitério pode se relacionar com a verve cômica que se segue. Talvez o seu maior trunfo seja justamente o de conseguir fazer com que sua comédia se transforme em melodrama a partir do momento em que a narrativa avança – sendo o momento definitivo de ruptura, o rompimento entre os dois amigos. Mesmo carregado por todo o peso da moralidade da época, evocativa dos curtas tanto cômicos quanto dramáticos que Griffith dirigira para Biograph, como aquele é mais feliz quando investe no melodrama, sendo o único motivo verdadeiramente cômico, para além da graça inicial trocada entre os amigos por conta de um despertador, a cena em que a dona da pensão, logo após testemunhar o avanço de Luis sobre o quarto de Elvira, deixa a sua porta do quarto entreaberta. A dimensão sacrificial na figura feminina e a contraposição entre a pudicícia do tratamento de Garruño para com Elvira, ao contrário da aberta sexualidade de Luis, redundantemente vilificado pelos entretítulos como um cafajeste inescrupuloso tem como resultado final não apenas a reabilitação moral de Luis aos olhos de si próprio como o retorno da amizade a partir do sofrimento comum. Luis, aliás, vivencia o único momento de marcada histeria dramática, ao melhor estilo griffithneano, quando tem a compreensão imediata de toda a afeição que perdera diante do cadáver de Elvira, a quem acaba depositando o anel de noivado. 80 minutos.

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