Filme do Dia: Não é Um Filme Caseiro (2015), Chantal Akerman
Não é um Filme Caseiro (No Home Movie, Bélgica, 2015). Direção, Rot. Original e Fotografia: Chantal
Akerman. Montagem: Claire Atherton.
A
proposta do filme-testamento de Akerman, que se suicidaria pouco tempo após a
sua finalização parece se anunciar árida a partir do primeiro plano, em que
galhos de uma árvore são açoitados pelo vento e pela areia por longos quatro
minutos. O que felizmente não é verdade, ao menos de todo. Sim, o filme é
trespassado por longos planos com câmera fixa, herança da forte influência do
cinema experimental da realizadora. O que, ao invés de comprometê-lo provoca ritmo, dissonância e acentua os
trechos de maior carga afetiva, pessoal ou mesmo “dramática”, em sentido
bastante diverso do habitual evidentemente. Documentário que se centra na
figura – seminal na vida e carreira da realizadora – de sua mãe, Natalia, que
chegou, como os pais, a ser prisioneira em Auschwitz – a única referência
direta ao fato se dá numa conversa entre Chantal e a mulher que acompanha a
mãe. Avesso a ordem do discurso em over que pretendesse exprimir qualquer tipo
de reflexão e/ou sentimento, como em Agnès Varda e muito amiúde em produções
que lidam com o ambiente doméstico, solução digna ao afastar o risco do
sentimentalismo fácil, ao mesmo tempo preservando o ente querido em suas
atividades mais comezinhas. Há evidentemente um custo alto em tal aposta. E
Akerman devia ter plena consciência disso, sendo a realizadora dos filmes que fez. O registro
muda então de configuração com a mãe falando diretamente para a câmera/Chantal
sobre a memória dos pais, sobretudo do pai, e também dela quando pequena e uma
singela declaração de amor mútua, quando a mãe falava que se orgulhava muito
dela por ela ser tão bela e todos assim a acharem e a filha afirmando, pouco
depois, que também muito se orgulhava dela, pois a achava a mais bela dentre
todas as mães, quando essa ia busca-la no colégio. Indagada pelo motivo de a
estar filmando, Akerman responde a mãe
que se trata de demonstrar a inexistência da distância, já que a mãe se
encontra nesse momento em Bruxelas e ela em Oklahoma (ela a filma quando se
falam pelo skype). Evidente subterfúgio, pois ela a filma quando também se
encontra com a mesma. O rosto da cineasta, negado ou visto somente de vislumbre
se torna plenamente visível com mais de meia hora de filme. A determinado momento a mãe revela que diria
muito mais coisas gentis a Chantal se não imaginasse que alguém mais poderia
ouvir – ou seja, subliminarmente que o material poderia ser utilizado pela
filha em um de seus projetos, como acabou de fato ocorrendo. Noutro momento a
acompanhante da mãe de Chantal observa que as entrevistas que ela faz com a mãe a
deixam ansiosa e Chantal não tem consciência disso. A penúltima imagem,
apresenta uma cama em que Chantal amarra os sapatos e depois fecha, tornando-a
escura (é o aposento da mãe, já falecida?), seguida por um dos não pouco comuns
planos bastante demorados com câmera fixa, da sala e dos acessos a alguns dos
aposentos. Se uma palavra pudesse sintetizar a experiência provocada pelo
filme, essa seria honesto. O título talvez advenha da sabida resistência da
realizadora quanto aos rótulos e classificações em relação a sua obra. Liaison
Cinématographique/Paradise Films. 115 minutos.
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