Filme do Dia: Sangue Sobre a Terra (1957), Richard Brooks

 



Sangue Sobre a Terra (Something of Value, EUA, 1957). Direção: Richard Brooks. Rot. Adaptado: Richard Brooks, a partir do romance de Robert C. Ruark. Fotografia: Russell Harlan. Música: Miklós Rózsa. Montagem: Ferris Webster. Dir. de arte: Edward C. Carfagno & William A. Horning. Cenografia: Robert R. Benton, Henry Grace & Edwin B. Willis. Figurinos: Helen Rose. Com: Rock Hudson, Dana Wynter, Sidney Poitier, Wendy Hiller, Robert Beatty, Walter Fitzgerald, Ivan Dixon, Frederick O’Neal, Angela Cartwright.

Quênia. Peter (Hudson) possui uma amizade desde a infância com o negro Kimani (Poitier). Estapeado pelo próprio cunhado de Peter, Jeff (Beatty) diante dele, ele se une aos rebeldes Mau-Mau, que, como prova de lealdade de Kimani, exige que ele lidere um massacre a família de Peter. Mesmo resistente a ação, Kimani lá se encontra e observa que os filhos de Elizabeth (Hiller), irmã de Peter, foram mortos e ela bastante ferida. Uma reação não tarda a chegar por parte dos brancos e boa parte dos Mau-Mau são massacrados, inclusive a mulher de Kimani. Ele foge com sua criança, tendo em seu encalço Peter, que tenta negociar uma saída pacífica, algo que não ocorre.

Esse drama liberal americano não passaria sem enorme constrangimento às plateias contemporâneas, de mais de meio século após sua realização. De fato, mesmo oriundo de um realizador progressista e de um realizador progressista que havia efetuado obras mais interessantes (como Sementes da Violência), derrapando feio aqui ao tentar explorar a realidade colonial do Quênia. Mesmo para os padrões norte-americanos de uma visão progressista o filme é, em última instância, um poço de conservadorismo. Das relações entre gêneros com Peter sempre pensando na terra como um conceito amplo de pertencimento, enquanto para Holly tudo não vai além da esfera privada e, ainda mais corretamente, de sua relação com Peter. E enquanto Peter tem uma relação com a terra tão aparentemente visceal de pertença a de uma Scarlett O’Hara em ...E O Vento Levou, para Holly a terra é o próprio Peter, daí ela clamar a certa altura por abandonar o país e partirem sensatamente para um local mais seguro. É curioso como o filme se põe renitentemente do lado branco-colonialista, mesmo existindo vislumbres de má consciência como a de fazerem uso da mesma tortura que acusam os africanos na boca de sua mente mais “esclarecida”, Peter, ainda que na cena de maior impacto dramático da relação racial sob o prisma melodramático, ele não questione de fato a postura racial superior do pai que estapeia o amigo de infância Kimani, apenas o fato de ter sido em alguém que ele possui vínculos afetivos. Não é necessário muito esforço para imaginar que a família de Peter, incluindo ele próprio, não se encontra tão distante das mesmas convicções raciais de superioridade da família de pioneiros que Ford apresenta em seu contemporâneo Rastros de Ódio. Um toque de perversão a mais se dá no confronto final em que, para que no plano da moldura dramática acompanhada ao longo do filme, a família de Kimani não saia perdendo, sua mulher é morta. E, o golpe de misericórdia se dá com a morte do próprio Kimani, que havia resistido a se render e, pior de tudo,  e certamente a solução mais bizarra de todas,  com a apropriação de Peter de seu filho, enquanto um provável aceno de paz futura. Embora exista uma continuidade com o modelo do negro amistoso que Poitier havia encarnado e voltaria a encarnar diversas vezes, em cenas como a que protege simbolicamente as crianças ao início do massacre, cobrindo o braço descoberto do garoto, não se pode ler a morte de Kimani como o de mártir da resistência de sua causa, sendo que ele próprio havia sido patética e inverossimelmente “desarmardo” por lembranças sentimentais da infância e da amizade com Peter pouco antes, após pouco mais que umas palavras desse. E sim mais como a intransigência de alguém que não possui o perfil menos passional e mais racional como o de Peter. Destaque para uma Dana Wynter que bem poderia proporcionar uma tentativa de cópia, um tanto anônima e anódina, de Elizabeth Taylor à época, inclusive buscando reproduzir alguns cacoetes dessa, como a forma de cumprimentar efusivamente alguém. MGM. 113 minutos.

 

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