Filme do Dia: História da Guerra Civil (1921), Nikolai Izvolov & Dziga Vertov

 


História da Guerra Civil (Istoriya Grasdanskoy  Voyny, URSS, 1921). Direção Nikolai Izvolov & Dziga Vertov.

Talvez poucas imagens em movimento involuntariamente evoquem a sinonímia da palavra inglesa shooting, servindo tanto para filmar quanto atirar, como a que observamos de um grupo de três soldados esparramados sobre a calçada e filmados de uma distância próxima. O espectador mais desavisado, e que tem inescapavelmente O Homem com a Câmera como referência do realizador, por alguns segundos pode ficar em dúvida se não será novamente o cinegrafista Alexandrov buscando um ângulo inusitado, tais os que observamos em seu filme mais famoso. Ou até mesmo confundir o cartucho de balas que é remexido com uma rolo de celuloide. Ilusão que certamente não duraria mais que segundos, dada o manejo muito mais bruto com o material em questão. Logo após seu prólogo, apresentando inúmeras infra-estruturas que foram destruídas como estações e comboios ferroviários e pontes, segue-se um ato (seria equivalente mais ou menos a um rolo de filme?) dedicado a reação à revolução, que nos faz lembrar semelhante discurso por parte dos cubanos, não havendo espaço para forças revolucionárias que sejam contra-revolucionárias, ainda que ao menos aqui ainda se admita que também paradoxalmente sejam consideradas revolucionárias. E o que dizer do aspecto tão pouco bélico – eles se renderam sem que houvesse necessidade de nenhuma troca de tiros – e simpático dos anarquistas capturados, filmados de tão próximo? Talvez um diferencial à boa parte do imaginário do filme de guerra documental convencional, sejam os sorrisos cândidos, a informalidade. E um comentário que hoje, um século após,  soaria irônico, sobre os ataques sofridos por Kiev, cidade que então é alvo dos próprios russos. Há uma segmentação menos dada aos agrupamentos que ocasionalmente emerge, por vezes para destacar uma “celebridade”, como o oficial Raskolnikov, que batizará futuramente o muito mais célebre fuzil, mas por vezes algum soldado anônimo, ainda mais singularizado que aquele, observado com outros dois no quadro. Ou, mais adiante, de quatro heróis da conquista de Berdianski, posando – alguns sem disfarçar certo constrangimento – em situação nada cotidiana, em um barco.  Nem de longe se tem o ritmo frenético da montagem de seu filme mais famoso, privilegiando-se tomadas clássicas, bem enquadradas, e por vezes com a mesma profundidade de campo e diagonalidade dos filmes dos Lumière. E também muitas panorâmicas, algumas delas de épica descrição, como a da cidade de Berdianski, prestes a ser invadida pelas tropas “vermelhas”. Há imagens tão desarmantes, quanto os flagrantes de candidez acima referidos, como o de uma unidade militar chegando em um caminhão diante de uma cidade ocupada pelos “brancos”. Nada de um batalhão ou tanques, mas um punhado de homens. O julgamento de um general que avançou contra as ordens das autoridades competentes. Na súmula que faz do julgamento de exceção, temos acesso aos procedimentos rituais tomados, mas não a um resumo dos argumentos dos acusados ou dos advogados ou promotores. É condenado a pena capital, mas perdoado pelos serviços prestados anteriormente à Revolução. A volta de refugiados para casa traz imagens de pequenas carroças em que eventualmente camelos assumem o lugar de cavalos. Como não se trata de um filme lançado quando o conflito ainda transcorria – e foi assistido apenas por uma pequena elite – não há pudores em se mostrar  o rastro de destruição provocado pelas forças inimigas, o que abalaria os cânones de um filme de propaganda para edificar a moral da soldadesca. Mas nada nos prepara para uma imagem de uma liderança contrarrevolucionária, com uma napoleônica mão dentro do colete. Ou ainda mais, imagens de Trotski ao final. E prováveis encenações ilustram alguns casos de captura d inimigos, filmadas com uma fotogenia mais que suspeita. A imagem das carcaças de cavalos mortos deixados pelo Exército Branco, que o filme afirma tratar-se de milhares, mas dos quais as imagens  (ao menos as que sobreviveram, pois aparentemente o filme possuía 133 minutos), embora observemos apenas um reduzido número. Destaca-se, antes disso, o local onde o General Kornilov morreu (figura chave do conflito e evocado em Outubro). A resistência “desesperada” frente ao fim do conflito em uma Petrogrado sitiada com barreiras de gelo e arame farpado. Imagina-se as dificuldades enfrentadas em todas as etapas de uma produção realizadas em tempos de entressafra da indústria cinematográfica – a russa, dilapidada, a soviética a ser construída. Um desfile militar pela comemoração da vitória em Moscou, inaugurando uma longeva tradição. Restaurado em 2021. |Grinberg Bros. 94 minutos.

 

 

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