Filme do Dia: Terra em Chamas (1922), F.W. Murnau
Terra
em Chamas (Der Brennend Acker,
Alemanha, 1922). Direção: F.W. Murnau.
Rot. Original: Willy Haas, Arthur Rosen & Thea Von Harbou. Fotografia: Karl
Freund & Fritz Arno Wagner. Música: Alexander Schirmann. Dir. de arte:
Rochus Gliesse. Com: Eugen Klöpfer, Vladimir Gajdarov, Lya De Putti, Stella
Arbenina, Alfred Abel, Grete Diercks, Eduard von Winterstein, Werner Krauss,
Grete Dierckes.
O agricultor Rog (Krauss) morre e seu filho,
já vivendo na cidade, Johannes (Gajdarov) não chega a tempo de testemunhar seu
último suspiro. Johannes não pretende seguir a tradição familiar como o irmão
Peter (Klöpfer), de trabalhar as terras do pai e se estabelecer em um ambiente
que agora, observando com outros olhos, acha rude e inculto. Ele é contratado
como secretário do Conde Rudenburg (von Winterstein) e se encontra interessado
em sua filha, Gerda (De Putti). Quando sabe que a Condessa Helga (Arbenina) irá
herdar os bens do marido convalescente, decide mudar de ideia. O que Helga não
sabe é que a terra, tida como amaldiçoada e pouco fértil, e batizada como Campo
do Diabo, possui petróleo em seu subsolo. O que Johannes não sabe, após casar
com ela, é que ela havia vendido o terreno para Peter. Maria (Dierckes), objeto
do amor de Peter, é apaixonada irrestritamente por Johannes, a quem fora
prometida pelo pai, mas que sequer percebe ou se digna em observar os seus
anseios. Helga consegue reverter o contrato, mas não seu estupor diante da
verdade quanto a Johannes e suicida-se. Atormentado pelo incêndio que acomete o
Campo do Diabo, Johannes rende-se e faz sua expiação diante dos seus.
Tal como seu de longe mais famoso filme
contemporâneo Nosferatu, lançado
apenas um dia após esse, Murnau tira imenso partido de seu apurado senso
estétetico na composição das imagens, talvez um dos mais refinados no cinema de
sua época, e que pode ser observado tanto em cenas externas, que apresentam uma
pequena edificação em meio ao nada gelado, que mais parece saída de uma
história em quadrinhos ou ainda na que Maria, aborda Johannes que, no entanto,
não corresponde a seu afeto, com um casario coberto de neve ao fundo, quase um
quadro vivo, como igualmente internas, como a rebuscada mescla de escadaria,
janelas e cadeiras que compõem o plano imediatamente seguinte, de Ludwig
ansioso na fazenda de Rog, à espera de sua dona. Ou o passo apressado e tenso,
das muitas emoções vividas em curto espaço de tempo. Ainda existiria outra
dezana de achados felizes, como o de Johannes entregue a desesperança em um
recanto de seu escritório, prostrado ao ponto que seu empregado (assim como o
espectador) pensem que já não mais vive. Mais complexo e ousado, em termos de
trama, que sua adaptação não autorizada do romance de Bram Stoker, o filme
chega a sugerir inicialmente enveredar pelo terreno do fantástico, mas é no
campo do melodrama familiar que se instala. A marcada entonação moral, em que
os valores tradicionais são associados à virtude e corporificados em Peter e a
ganância cosmopolita, impessoal, cega e amoral ao irmão, soam demasiado
esquemáticos e mais apropriados ao contemporâneo, de longe menos visualmente
talentoso, O Tesouro, de Pabst. Como
nesse, o filme tende a ganhar em sua metade final. Suas pretensões o tornam presa fácil de
convenções mais triviais compartilhadas pelo cinema de qualidade de sua época
e, nem sempre favoravelmente, quando comparado a alguns títulos dos suecos
Sjöström ou Dreyer, que provavelmente lhes serviram de modelo. Alguns excessos
melodramáticos são utilizados em soluções dramáticas desnecessárias, como os
picotes de papel do contrato rasgado por Helga, que caem das mãos de seu
ambicioso marido ao lado de seu corpo já sem vida. Essa havia tirado sua vida
como Ofélia, e portadora do mesmo mal. E os diálogos não deixam por menos,
ocasionalmente resvalando para o senso comum melodramático, como o que Johannes
admite que nunca amara nenhuma das duas mulheres, fora tudo ambição! O rosto
anguloso do ator que lhe traz vida, Gajdarov, é evocativo do de Conrad Veidt,
protagonista de O Gabinete do Dr.Caligari (1919), sendo que o próprio ator que encarnara Caligari, Krauss,
surge em ponta ao início do filme e dado o seu prestígio conquistado com o
filme de Wiene, é o primeiro a surgir nos créditos. Destaque para a capela que
foi erigida no local considerado amaldiçoado apenas ser observada ou de muito
longe ou em detalhe bastante aproximado.
Tido como perdido durante longo tempo, até uma cópia quase completa ser
encontrada em 1978, no acervo de um padre italiano. Deulig Film/Goron Film para
Deulig-Verleih. 98 minutos.
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