Filme do Dia: A Espiã que Entrou em Fria (1967), Sanin Cherques

 


A Espiã que Entrou em Fria (Brasil, 1967). Direção: Sanin Cherques. Rot. Original: Sanin Charques & Wilson Vaz. Fotografia: Antônio Smith Gomes. Música: Mauricio Quadrio. Montagem: Raul Araújo. Dir. de arte: Miguel Hochman. Figurinos: Hugo Richa. Com: Agildo Ribeiro, Carmen Verônica, Afonso Stuart, Jorge Loredo, José Santa Cruz, Tânia Scher, Dedé Santana, Mário Alimari, Anselmo Duarte, Jorge Cherques.

Professor Plácido (Stuart) descobre uma fórmula invejada por agentes do mundo todo. Um grupo, perseguindo um assistente, faz com que esse, Rubi (Santa Cruz), jogue acidentalmente no reservatório de água do cidade todo o estoque de pílulas que provoca a mudança de vozes, transformando os homens que passam a ter vozes femininas e vice-versa. Enquanto isso, o Professor Plácido é sequestrado por um grupo de garotas.

A paródia já a partir do título de produções hollywoodianas de destaque era oriunda dos tempos da chanchada (Matar ou Correr) e persistiria após (Bacalhau sendo um de seus exemplos mais paradigmáticos), sendo que o próprio personagem de Bond, então no auge do sucesso, já havia sido motivo de ao menos uma produção nacional (007 e Meio no Carnaval, do ano anterior). Com pontas de Norma Bengell, Ivon Cury, Oscarito (numa de suas últimas aparições no cinema), Jece Valadão e o próprio diretor. Já a partir do seu tema inicial, observado por um locutor (à guisa de algo wellesiano), que se refere mais a outro título da série Bond que o diretamente parodiado pelo título (007 Contra a Chantagem Atômica, de dois anos antes), impõe-se um motivo “na moda”, tal como um dos maiores sucessos da chanchada, O Homem do Sputnik (1959), mesmo que distante do mesmo talento. Por mais tosco que seja em sua esperada misoginia (uma das pedras de toque da posterior pornochanchada), o filme consegue alguns achados inventivos no próprio universo do audiovisual, como o da pílula que transforma as vozes, com o auxílio da dublagem ou algumas soluções visuais inspiradas como a cena inicial ou o cientista refletido em um tubo de ensaio de seu laboratório. Se o filma se apropria de elementos da comédia burlesca (imagem acelerada, música evocativas das comédias mudas, efeitos sonoros) o faz, evidentemente, da forma mais tacanha e preguiçosa possível, ao contrário do uso mais criativo de tais elementos (como é o caso do cubano A Morte de um Burocrata). Noutro momento, o personagem de Iuri (vivido por Loredo e, como sempre encarnando, na verdade, o Zé Bonitinho, personagem criado para a TV sete anos antes, uma evidente paródia do galã a la Presley) pede ao câmera um “close”, no que é “prontamente atendido”. Ou ainda uma trilha musical específica acompanha a peripécia de cada personagem. Como essas são observadas em montagem paralela, a mudança de temas é constante. E também testemunha a completa despreocupação com uma história minimamente delineada, com personagens correndo de um lado para o outro, sem motivações muito definidas.  Em meio a tanta mediocridade, a virtuosidade de seu trabalho de câmera paira como um ornamento praticamente gratuito, por vezes não mais que sublinhando seu excessivo e cansativo escracho – como na cena em que a câmera observa à altura do sexo e das pernas da espiã que dá título ao filme, a imagem invertida de seu chefe. O filme, como muitos outros de sua época, parece em última instância, transitar entre uma chanchada temporã e seu sucedâneo, a pornochanchada, sendo mais próxima da primeira, mesmo que atualizada para os padrões de sua época, o que inclui também uma produção menos modesta que as da Cinédia. Se, guardadas as proporções, produções tão canhestras como essa eram realizadas no período no circuito internacional, e o próprio filme também possivelmente flertou com a paródia internacional contemporânea à série, Cassino Royale, também pródigo em pontas de várias personalidades. ao menos aqui por vezes se assume de vez o sexismo com relação ao corpo feminino, naturalizado de forma mais oblíqua não apenas em seus similares como mesmo no modelo aqui parodiado. E, se não existe exposição gráfica de corpos desnudos, a homossexualidade enquanto efeito cômico é explorado de forma muito similar às pornochanchadas. A favela é utilizada como pano de fundo de uma das ações, representando igualmente uma paródia com o que seria equivalente cenário em balneários e locais luxuosos na série do detetive britânico e, evidentemente, levando em consideração as disparidades sociais entre o Brasil subdesenvolvidos e os países ricos. Cinedistri/Cyl Farney Prod. Cinematográficas para Cinedistri. 77 minutos.

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