Filme do Dia: O Ente Querido (1965), Tony Richardson


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O Ente Querido (The Loved One, EUA, 1965). Direção: Tony Richardson. Rot. Adaptado: Terry Southern & Christopher Isherwood, baseado no romance de Evelyn Waugh. Fotografia: Haskell Wexler. Música: John Addison. Montagem: Hal Ashby & Brian Smedley-Aston. Dir. de arte e Figurinos: Rouben Ter-Arutunian. Cenografia: James W. Payne. Com: Robert Morse, Jonathan Winters, Anjanette Comer, John Gielgud, Dana Andrews, Milton Berle, James Coburn, Liberace, Tab Hunter, Margaret Leighton, Roddy McDowall, Robert Morley, Barbara Nichols.
Dennis Barlow (Morse), jovem britânico com pretensões a poeta, viaja para Los Angeles, onde se encontra com o velho tio Sir Francis Hinsley (Gielgud), que após 31 anos de serviços para um estúdio cinematográfico, é despedido de forma humilhante. Barlow descobre o corpo do tio suicida e, a partir daí, conhece todo o universo místico particular que envolve o monumental cemitério  de Whispering Glades, onde seu tio terá os serviços fúnebres, apaixonando-se por uma de suas empregadas, Aimée Thanatogeneous (Comer). O próprio Dennis passa a trabalhar em uma empresa funerária para animais de estimação. Sua pretensão de conquistar Aimée se defronta com o fato dela se encontrar cortejada por um colega de profissão, o embalsamador Joyboy  (Steiger). Aimée, após descobrir o quão rasa é a filosofia a qual entregara a sua vida, representada pela figura do amado Reverendo Wilbur Glenworthy (Winters), na verdade um oportunista homem de negócios que pretende se desfazer de Whispering Glades, negociando com os militares americanos algo mais rentável, perde por completo a estabilidade emocional. Tudo isso ocorre quando ela havia sido designada a primeira mulher embalsamadora. Não suportando toda a reviravolta, Aimée se suicida. Dennis, por sua vez, consegue, através de uma pequena chantagem com Joyboy, conseguir o dinheiro para sua passagem de volta à Inglaterra.
Essa primeira produção norte-americana de Richardson, realizado logo após a recepção calorosa que seu Tom Jones teve junto às bilheterias e Hollywood, demonstrou ser um tanto extravagante em vários aspectos, não por acaso o realizador somente voltando a ter capital americano em uma produção sua em 1973. Trata-se de uma histérica e alucinada paródia do modo de vida americano cujo aparente alvo inicial, o universo do próprio cinema, logo se desloca para o dos enterros (antecipando, em certo sentido, algo de bizarro investigado, em termos de documentário, por Errol Morris em Gates of Heaven). Paira sobre todo o filme um que de fantasia homossexual levada ao limite da escatologia, sua obsessão pela morte indo do nome de personagens a toda a estética que é dedicada não somente aos ornamentos que circundam os mortos, como aos próprios, mesmo que em nenhum momento qualquer personagem se assuma enquanto tal; mesmo o que  vivido por Steiger é apresentado, em mais uma de suas referências a bizarrice que representa a sociedade norte-americana, como um possível pretendente a Srta. Thanaotogenous. Outra faceta ridicularizada é a do excesso de glutonaria na figura da mãe de Joyboy, uma matrona gorda que literalmente se afoga em toda a comida que guarda na geladeira. O herói, quase que completamente imaculado diante de tanta sordidez, poderia se passar como um precursor dos heróis sem rumo que inundariam as telas do cinema norte-americano a partir do final da década, não tivesse logo encontrado seu nicho de trabalho. Ao contrário daquelas produções, aqui se opta por uma evidente recusa do realismo, sendo que as extravagâncias em relação ao excesso de personagens e situações absurdas são um desdobramento e ao mesmo tempo conformam a extravagância da própria narrativa – a versão surrealista anárquica de seu contemporâneo Anderson, com Um Homem de Sorte (1973), talvez tenha sido mais bem sucedida. No primoroso elenco, ao qual não falta um Jonathan Winters vivendo dois papéis (não por acaso o filme foi co-escrito por Southern um dos roteiristas do Dr. Fantástico, de  Kubrick) existe ainda a suavidade da desconhecida Comer, que Richardson preferiu a várias estrelas que se ofereceram, a pasmaceira bem vivida por Morse, ator que se destacaria mais na TV que propriamente no cinema e, sobretudo, a brilhante participação de Gielgud. A quantidade de atores que participam dessa produção parece antecipar a dos filmes de Altman, indo desdo o veterano Dana Andrews, passando por Roddy McDawall e Liberace (numa ponta como vendedor de caixões) e chegando ao histriônico Robert Morley, um dos favoritos de Huston, vivendo o magnata oportunista e enfatuado que se nega a ler o discurso de despedida que Dennis havia escrito para seu tio ao descobrir que esse se encontra cheio de referências pouco elogiosas ao país. Embora o filme todo seja construído em cima do estranhamento de um inglês nos Estados Unidos, e boa parte de sua reatividade deve ser creditada ao original no qual foi inspirado, tampouco deixa de haver breves momentos nos quais o britânico vem a ser motivo de estranhamento por parte do americano, como quando o funcionário do aeroporto acha o cabelo de Dennis semelhante ao dos Beatles. Destaque para a cena na qual Dennis é convidado por sua amada para conhecer sua residência e descobre em quão precária solidez se encontra, ainda que paradoxalmente ela se mostre mais segura de si do que em qualquer outro momento ou local. O romance de Waugh foi objeto de desejo de muitos cineastas, inclusive Buñuel. Filmways Pictures para MGM. 122 minutos.

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