Filme do Dia: Região do Ódio (1954), Anthony Mann


The Far Country – Wikipédia, a enciclopédia livre
Região do Ódio (The Far Country, EUA, 1954). Direção: Anthony Mann. Rot. Original: Borden Chase, a partir de seu argumento. Fotografia: William H. Daniels. Música: Henry Mancini, Hans J. Salter, Frank Skinner & Herman Stein. Montagem: Russell F. Schoengarth. Dir. De arte: Alexander Golitzen & Bernard Herzbrun. Cenografia: Oliver Emert & Russell A. Gausman. Figurinos: Jay A. Morlan Jr. Com: James Stewart, Ruth Roman, Corinne Calvet, Walter Brennan, John McIntire, Jay C. Flippen, Harry Morgan, Steve Brodie, Connie Gilchrist, Robert J. Wilke.
Final do século XIX. A corrida do ouro no Canadá desperta a cobiça de muitos. Dentre eles, Jeff Webster (Stewart) e seu velho amigo Ben (Brennan), que partem com um rebanho de reses para Dawson City. No caminho a trajetória deles cruza com a do corrupto Juiz Gannon (McIntire). O juiz e seus homens o perseguem, mas Jeff consegue cruzar a fronteira da qual Gannon não mais possui representação como juiz. Uma das sócias de Gannon em Dawson City é Ronda Castle (Roman), mulher de personalidade forte e que monta um negócio para competir com o saloon tradicional, liderado pela matrona Hominy (Gillchrist) rapidamente superando-o para desgostos dos moradores locais, e por quem Jeff nutre forte paixão. Quem, por sua vez, encontra-se fortemente apaixonada por ele é a garota franco-canadense Renee (Calvet), que ele não leva a sério como mulher. Com a chegada de Gannon à cidade, todos, incluindo o xerife – e posteriormente o próprio Jeff, ferido em uma emboscada na qual perde o amigo Ben – que assumirem o cargo se sentem coagidos por esse e seu braço direito, o pistoleiro Madden (Wilke). Ainda se recuperando, Jeff decide enfrentar os malfeitores. Ele mata Madden e, mesmo ferido por Gannon, também mata esse. Tentando salva-lo  Ronda é morta no tiroteio. Mais uma vez quem se aproxima e o apoia, sob os olhares de empatia de toda a cidade, é Renee.
Dentre as muitas qualidades de mais uma parceria entre Stewart-Mann (sendo esse o sexto dos oito filmes que fizeram juntos) se deve ressaltar a tensão entre os moradores da até então pacífica Dawson e os corruptos e “forasteiros” do saloon de Ronda – tema básico já anunciado de Hell’s Hinges (1916) que delineou boa parte dos motivos do gênero algumas décadas antes. Só que Mann representa para o filme de Swickard, guardadas as proporções, uma leitura mais complexa e ambígua que, senão ao ponto de representar o que Hitchcock fora em relação a  Griffith, traça, por exemplo, na representação da figura da lei menos o habitual motivo do jardim se impondo ao deserto, mas antes o oposto – é justamente com a chegada do juiz e sua cúmplice que a cidade, até então tranquila, torna-se violenta. Mais se opondo a tradição do gênero que indo em direção a ela, o herói de Stewart (que possui o mesmo nome do mais célebre papel que viveria para Hitchcock no mesmo ano em Janela Indiscreta), por sua vez, interessa-se pela “mulher errada” e não a “certa” como em No Tempo das Diligências. Só que aqui não se trata apenas da mendacidade conservadora da população, pois de fato Ronda mesmo apaixonada sinceramente por Jeff, é uma contraventora e é justamente esse viés afetivo que o faz se tornar algo dividido perante a revolta da população contra os recém-chegados; Jeff, por exemplo, vende sua carne para ela e não para o saloon tradicional. Esse, por sua vez, é apresentado com toques de inocência ao ser dirigido por senhoras velhas e de bom coração em contraposição à sexualidade pulsante e perigosa de Ronda – quem tiver conhecido Roman como a jovem de perfil nerd-assexuado em Pacto Sinistro (1951), de Hitchcock, ficará chocado com a versatilidade da atriz. Porém, no final de contas, a solução encontrada soa muito mais adequada aos “códigos da sociedade” que no filme de Ford: a conveniente morte de Ronda não deixa escolha a Jeff e a aproximação quase imediata de Renee, a enjeitada, nenhum pouco preocupada em ser prêmio de consolação, acena para uma adequação social bem maior, representada aqui por toda a comunidade cercando o casal em aprovação, que a estratégica saída da comunidade presente ao final de No Tempo das Diligências – bem mais próximo desse é outro filme de Mann, o primeiro que realizaria com Stewart, Winchester’73 (1950). O elenco de apoio é um dos pontos mais fortes do filme, seja no caso de habituais colaboradores de Mann vivenciando papéis semelhantes, como McIntire, seja o caso do carismático Brennan, de sotaque perfeitamente carregado e maravilhoso, independente do realizador com o qual trabalhava, numa versão menos histriônica do Walter Huston de O Tesouro de Sierra Madre. Ou ainda a notável interpretação Gilchrist, que rouba a cena em seu número de canto e dança no saloon, uma das melhores do filme e de uma autenticidade impregnante que parece antecipar as produções do gênero da segunda metade da década seguinte, como as de Peckinpah. A exceção fica com a mais datada de todas, vivida pela francesa Calvet. Universal International Pictures para Universal Pictures. 97 minutos.

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