Filme do Dia: Ciúme (1953), Pietro Germi
Ciúme (Gelosia, Itália, 1953). Direção: Pietro
Germi. Rot. Adaptado: Sergio Amidei, Giuseppe Berto, Pietro Germi &
Giuseppe Mangioni, a partir do romance de Luigi Capuana. Fotografia: Leonida
Barboni. Música: Carlo Rustichelli. Montagem: Rolando Benedettti. Dir. de arte:
Carlo Egidi. Figurinos: Andrea Fantacci. Com: Marisa Belli, Erno Crisa,
Alessandro Fersen, Liliana Gerace, Paola Barboni, Vincenzo Musolino, Grazia
Spadaro, Maresa Gallo, Gustavo De Nardo.
Antonio (Crisa) é um aristocrata decadente, que vive sozinho em seu
palácio com Mamma Grazia (Spadaro), a criada que lhe deu de mamar. Ele apaixona-se perdidamente por uma jovem e
humilde camponesa, Agrippina (Belli), que abandona a família para viver com ele
enquanto criada-mulher. Os rumores se espalham e logo chega sua tia Baronesa
(Barboni), que o pressiona para que se case com uma sobrinha sua e prima de
Antonio, Zosima (Gerace). Inicialmente resistente, Antonio expulsa Agrippina de
casa e lhe propõe um casamento de aparências com Rocco (Musolino), que é
assassinado pelo próprio Antonio enciumado. Neli Casaccio (De Nardo) é tido
como seu assassino, por conta de intrigas anteriores que os envolviam. O
Marquês, mesmo depondo favoravelmente a respeito de Neli e Agrippina, apenas
revela seu crime, e as motivações que o levaram a ele, ao pároco Don Silvio
(Fersen). Aproximando-se outra vez de Agrippina, Antonio terá seus fantasmas
interiores novamente postos à prova com a fuga de Neli Casaccio da prisão.
As imagens iniciais
podem evocar as de uma produção neorrealista ou até mesmo antecipadoras do
Cinema Novo brasileiro, dada a forte presença solar em sua fotografia p&b,
mesmo que longe de estourada. O mesmo pode ser dito de sua ambiência em uma
província rústica, seus cantos tradicionais. Mas logo se perceberá que nada
mais distante. Trata-se de uma narrativa
histórica, romanesca e cujo envolvimento do par amoroso é fundamental. Com
interpretações de escala dramática convencional. E sua trilha musical não a nega. Assim como
sua narrativa em flashback,
convenientemente contada a um pároco. O que não significa necessariamente um
descaso para com pensar as relações sociais e convenções de classe de sua
época. Pode-se imaginá-lo como antecipando, de forma mais humilde e sem o
pendor para a direção de arte extravagante, as visadas históricas que um
Visconti efetuará seja praticamente à época (Sedução da Carne) ou pouco depois (O Leopardo). As maquinações amorosas para que Antonio fique não
apenas com alguém de sua classe, mas com uma prima sua, Zosima, são orquestradas
pela tia de ambos e o filme, por vezes, apresenta tal controle sem a
necessidade de qualquer diálogo, apenas a apresentando em um balcão distante do
palácio, a observar a proximidade crescente dos dois, algo – “o olhar e a cena”
– que Fassbinder levaria ao limite patético do paroxismo em filmes como Martha, duas décadas após. E os
moradores da cidade fazem as honras habituais de coro, como quando comentam que
o casamento de Antonio teve motivação exclusivamente financeira, ao que o outro
observa que foi por motivos sentimentais (ou seja, esquecer Aggrippina). Ao
contrário de Visconti, no entanto, as implicações de classe se diluem no drama
eminentemente pessoal e a própria figura interessante de Antonio, enquanto
pária social da aristocracia, cuja relação inconscientemente edipiana com sua
mãe-criada, fá-lo refém de uma mulher do povo, dilui-se diante de suas crises
nervosas, dando razão a sua viperina tia de que o seu “desajustamento social”
era decorrente de sua loucura. Nesse meio caminho, atravessado entre o desejo e
as convenções sociais, sobressaindo-se a sua própria fraqueza (inclusive
mental-emocional), Antonio não assume de todo nem sua relação com a esposa, nem
tampouco seu amour fou por Agrippina
ou o crime cometido por conta desta – revelado apenas enquanto confissão ao
padre. Ainda assim, os temores da justiça divina lhe são suficientes para a
derrocada final, mesmo sem a necessidade do opróbio da dos homens, incluindo a
fala popular. Estreia da bela Marisa Belli, dublada por Valentina Cortese, que
como o belo Erno Crisa, não teria outros filmes de grande destaque em suas
filmografias, realizando ambos produções épicas populares quando essas voltaram
a reviver a onda dos filmes mudos de Maciste, com personagens similares, além
do próprio. Grazia Spadaro reviveria sua personagem homônima na série de tv
também adaptada de Capuana, Il Marchese
di Roccaverdina (1973). Excelsa. 86 minutos.
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