Filme do Dia: A Imagem que Falta (2013), Rithy Panh
A Imagem que Falta (L’Image Manquante, Camboja/França, 2013).
Direção: Rithy Panh. Rot. Original: Rithy Panh & Chistophe Bataille.
Fotografia: Prum Mesa.
Música: Marc Marder. Montagem: Rithy
Panh & Marie-Christine Rougerie.
Filme-testemunho que mescla
considerações mais amplas sobre o massacre extenso de cambojanos pelo
sanguinário ditador Pol Polt, na segunda metade da década de 70, e sobretudo a
trajetória da família nuclear do realizador, toda massacrada. Para tanto o cineasta
faz uso de imagens de arquivo, reconstituições feitas com bonecos de cerâmica e
trechos de filmes, assim como de uso maciço de uma narração over. O título se refere justamente a
imagem que falta para descrever o que ocorria de fato no país então, ocultados
que são por uma propaganda enganosa que aponta para um milagre no campo – e
qualquer desvio dessa premissa, inclusive entre cinegrafistas, como é o caso do
autor de determinadas imagens, é punido com morte. Os bonequinhos de cerâmica
tentam suprir a maior parte das imagens que faltam, ainda que por vezes também
sejam vistos em situações semelhantes as que são descritas pelas imagens. Ao
mesmo tempo que a narração over torna
mais próxima e lancinante a perspectiva subjetiva sobre a história mais ampla,
igualmente impede que se tenha acesso a praticamente qualquer outra visão que
não a vinculada a ela própria – num efeito que, ironicamente, rerproduz ao
oposto o cacoete através do qual vinha a ser mais criticado o documentário
clássico, ou seja, sua imposição enquanto “voz da verdade”. Por outro lado, sua
presença do início ao final, por mais criativos que sejam os recursos
utilizados a partir da seleta de opções acima discriminada (reconstituição com
bonecos, imagens de arquivo e, por vezes, sobreposição dos bonecos às imagens
de arquivo), tende a tornar cansativa a sua assistência, sobretudo por parte de
um espectador médio. Sua indicação ao Oscar de produção estrangeira
provavelmente se deve menos às suas qualidades artísticas per se que ao cruel
retrato de uma das ditaduras (de viés comunista) mais sanguinolentas do século
passado – sendo que Panh, ao observar a sua existência burguesa anterior a
revolução de Pol Pot, como centrada unicamente no seu universo familiar
praticamente, até por ser criança demasiado pequena então; uma exceção é o
momento em que apresenta a vitalidade que existia em um mercado público em
contraposição ao seu virtual abandono nos dias “pós-revolucionários”, assim
como a mortificação do ego de todos os habitantes do país, vestindo trajes
uniformes e sem mais sequer qualquer demonstração de afeto em público. Panh não
deixa de ironizar com sua própria situação de sobrevivente, e da culpa
semelhante a vivenciada por um Primo Levi, ao apresentar uma imagem que
representa um bonequinho de si próprio com um retrato de Freud ao fundo,
deitado num divã. Un Certain Regard em Cannes. CDP/arte france/Bophana Prod. 92 minutos.
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