Filme do Dia: A Febre do Rato (2011), Cláudio Assis
A Febre do Rato (Brasil, 2011).
Direção: Cláudio Assis. Rot. Original: Hilton Lacerda. Fotografia: Walter
Carvalho. Música: Jorge du Peixe. Montagem: Karen Harley. Dir. de arte: Renata
Pinheiro. Figurinos: Joana Gatis. Com: Irandhir Santos, Nanda Costa, Matheus
Nachtergaele, Tânia Moreno, Maria Gladys, Juliano Cazarré, Jonas Melo, Ângela
Leal.
O poeta
Zizo (Santos) é inconformado com a pasmaceira da vidinha individualista de
todos. Com sua alma de artista, ele grita suas provocações pelas ruas e
ocasionalmente faz sexo com uma mulher mais velha. Seu melhor amigo é Paizinho
(Nachtergaele), que vive uma relação de amor e ocasional conflito com a
travesti Vanessa (Moreno). A situação muda de figura quando ele se apaixona
pela jovem Eneida (Costa), que não se rende a seus encantos e por quem nutre uma
paixão que não consegue ultrapassar a dimensão platônica. Quando finalmente ele
consegue tê-la a seu lado e literalmente se despem um para o outro no meio da
rua, em uma manifestação coletiva, sendo presos, e Zizo morto pela polícia e
tido seu corpo jogado no rio. Inicialmente enlutados pela perda, todos voltam a
celebrar a vida em torno da mãe de Zizo, Dona Marieta (Leal).
Mesmo
que não tão impactante quanto seu longa de estréia, Amarelo Manga, aqui Assis consegue apresentar uma rara generosidade
na sua descrição de tipos e situações, que, ao mesmo tempo que se insurge
contra o conservadorismo contemporâneo, consegue se aproximar mais do espírito
inconformista dos anos da contracultura do que outras produções nacionais
contemporâneas, seja pela inocuidade (A Alegria), seja pelo excessivo cerebralismo (Os Residentes). Todos os três apresentam, a determinado momento,
uma reação a essa asfixia. Seja a representação da subjetividade adolescente do
primeiro ou a revisitação dos gestos e atitudes de um cinema moderno no caso do
último. Assis apela para os instintos mais básicos, sobretudo sexuais, porém ao
contrário do naturalismo que flertava com o escatológico de seu filme mais
conhecido, aqui ele faz brotar o lirismo das situações mais improváveis, como
na cena em que o Poeta pede que sua musa urine diante dele, sendo que toda a
situação, que poderia ser observada apenas como o vulgar desejo de um
pervertido, transforma-se na união pouco comum entre o belo e o grotesco, já
que a forma como o par se posiciona e o próprio enquadramento, são de uma
beleza inusitada; ao fundo, os festejos de uma festa de São João. E é
justamente com o inusitado de sua imagens, como a primeira sequência de sexo
entre Zizo e a mulher mais velha, observados a partir de uma câmera alta ou
mesmo o pictórico que consegue extrair do céu cinza da paisagem recifense em
outro momento, auxiliado por sua bela fotografia em p&b, torna-se momentos
de magia que se sobrepõem à própria verborragia do poeta, encarnado com vigor e
entrega completa por Irandhir Santos. É na democracia do prazer, fundamentada
em todas as sexualidades possíveis que o filme se institui. Se a repressão
despropositada da força policial à manifestação pode soar um tanto exagerada,
ela funciona perfeitamente como metáfora para o arrefecimento de qualquer
alternativa que se contraponha ao mundo dado, à morte da utopia enfim. Talvez
mais problemática, ao final de contas, seja a morte do personagem, evidente
alter-ego do próprio realizador, pois sinaliza para uma situação irremediável,
que seu pálido esboço de retomada ao final soa como não menos que farsa.
República Pureza/Parabólica Brasil/Belavista Cinema para Imovision. 110
minutos.
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