Filme do Dia: The Toll of the Sea (1922), Chester M. Franklin


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The Toll of the Sea (EUA, 1922). Direção: Chester M. Franklin. Rot. Original: Frances Marion. Fotografia: J.A. Ball. Montagem: Hal C. Kern. Com: Anna May Wong, Kenneth Harlan, Beatrice Bentley, Priscilla Moran, Etta Lee, Ming Young.
Descobrindo um homem desacordado em meio as rochas que margeiam o mar, Flor de Lótus (Wong) se afeiçoa de sua “descoberta”, um homem branco e de grande poder e influência, Allen Carver (Harlan). Allen responde a seu entusiasmo e, em pouco tempo, veem-se casados. Porém, como um homem mais velho da comunidade já lhe havia alertado, pessoas que são trazidas pelas ondas não carregam boa sina e, como mais praticamente as fofoqueiras (Lee e Young) lhe lembraram, os americanos com quem se uniram, rapidamente as esqueceram ao voltarem para os Estados Unidos. Lótus pensa que sua sorte será distinta, mas logo ouve da boca do próprio marido, que prefere que ela permaneça na China. Nos Estados Unidos, Allen reata com uma conhecida de infância, Barbara (Bentley), com quem se une. Após anos de espera angustiada, Lótus é toda euforia ao saber que o marido retorna à propriedade. Ela veste seus trajes nupciais e ordena que o filho seja cuidadosamente banhado, porém Allen vem para que ela conheça Barbara. Constrangida com a situação, ela disfarça que o pequeno Allen (Moran) é apenas uma criança de uma família de língua inglesa próxima. No contato  mais próximo com Barbara, conta toda a verdade e também cede para que ela cuide do filho, indo ajustar suas contas com o mar.
Esse filme que poria Wong, bela e talentosa, na flor de seus 17 anos quando de sua realização, no imaginário e na história do cinema norte-americano, pode igualmente ser evocado por dois motivos distintos. Primeiro, tratou-se do primeiro filme a fazer uso de um processo rudimentar de Technicolor em duas cores, a ser tão relativamente bem sucedido. Depois, e talvez mais importante, a própria dimensão vergonhosamente etnocêntrica que acompanha a narrativa, em certa medida, ocorreria com a própria carreira de Wong. Assim, a passividade com que Wong “digere” tantas contrariedades soa demasiada abusiva para qualquer espectador minimamente perspicaz de pouco menos de um século após seu lançamento. Wong, aliás, oscilaria em sua irregular carreira entre papéis idealizados como esse, um retrato de uma “boa selvagem” na acepção mais pura da palavra, passiva e consciente de seu lugar de inferioridade e o seu oposto, mulheres-dragão inescrupulosas e traiçoeiras, em ambos os casos sem um padrão de medida que tornasse personagens que interagiriam em um mesmo patamar que seus contrapartes ocidentais. O esboço de relação inter-racial aqui proposto, mesmo seguindo o padrão de mulher de outra cultura se submetendo à paixão por um caucasiano (ao contrário, por exemplo, da relação devidamente platônica presente em Lírio Partido, de Griffith) é fadado à interdição e o momento em que Lótus entrega o próprio filho, do qual, inclusive, não restou nenhum traço oriental, confirmando a “inferioridade racial”, à mulher branca, é o da aceitação irrestrita de sua inferioridade, podendo provocar sentimentos mistos, tanto de empatia pela comoção da separação entre mãe e filho, cacoete comum dos melodramas da época (e do qual Chaplin celebremente tira partido com seu O Garoto) quanto  de espanto e indignação por sua própria ausência de auto-estima e pela forma desavergonhada, no mínimo, com que Barbara aceita toda a situação. Aliás, se há alguém que é poupado por completo desse drama é justamente Allen, jamais questionado em sua integridade, por nenhuma de suas esposas. Nesse sentido, o questionamento feito quanto a integridade do mesmo efetuada seja pelo velho já ao início, apontando para o que ocorrerá futuramente ou pelas igualmente conterrâneas mexeriqueiras traem um comentário mais interessante que o da linha principal da narrativa esboça, sendo que as duas últimas também propiciam que se possa observar Lótus como igualmente bastante preocupada com o que a comunidade pensará dela, ao ponto de escrever cartas ela própria como sendo do marido. Dado o perverso contexto no qual ela se encontra, torna-se quase uma mínima resistência dela diante do infortúnio que vivencia e, principalmente, do que ainda irá vivenciar, sendo que o final, único trecho do filme desaparecido (e devidamente refilmado com uma câmera original quando da redescoberta do filme dado como perdido desde o final dos anos 60 em 1985, em uma solução pouco comum, mas de bom resultado), ao menos da forma como refilmado, apenas elegantemente sugere o seu suicídio. Marion, célebre roteirista, efetua uma variação sobre a ópera de Puccini Madame Butterfly. Tal como Carmen Miranda, a pressão de se equilibrar numa carreira – no caso de Wong, prima do célebre diretor de fotografia, bem mais longeva – em que nunca se deu o mérito devido a si própria, reproduzindo a lógica de exclusão social de seus tipos étnicos, foi devastador e culminou em processo auto-destrutivo e morte quase tão precoce quanto a de Miranda. Foi produzido pela própria companhia do célebre processo de fotografia em cores. Technicolor para Metro Pictures Corp. 54 minutos.

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