Filme do Dia: Um Homem Tem Três Metros de Altura (1957), Martin Ritt
Um Homem Tem Três
Metros de Altura (Edge of the City,
EUA, 1957). Direção: Martin Ritt. Rot. Adaptado: Robert Alan Aurthur, a partir
de um roteiro para uma telepeça homônima. Fotografia: Joseph C. Brun. Música:
Leonard Rosenman. Montagem: Sidney Meyers. Dir. de arte: Richard Sylbert.
Figurinos: Anna Hill Johnstone. Com: John Cassavetes, Sidney Poitier, Jack
Warden, Kathleen Maguire, Ruby Dee, Val Avery, Robert F. Simon, Ruth White.
Axel
North (Cassavetes) é um jovem tímido e inseguro que consegue trabalho como
estivador no porto, após passagem por várias cidades e chamadas telefônicas aos
pais em que apenas os escuta mas nunca fala. O contato que ele possui é do rude
e mau caráter Charlie Malick (Warden), para quem passa a trabalhar. Porém uma
empatia imediata ocorre com outro chefe Tommy Tyler (Poitier), de quem se torna
amigo, assim como também da esposa, Lucy (Dee). Ele passa a trabalhar para
Tommy, mesmo tendo sido pressionado por Charlie para ficar com seu grupo. O
casal Tyler apresenta a Axel, Ellen Wilson (Maguire), à guisa de que um
relacionamento surja entre ambos. Axel torna-se vítima de chantagem por parte
de Charlie, que sabe que ele é um desertor do exército e exige que ele volte a
trabalhar pare ele, o que termina fazendo. Numa briga com esse, Tommy intervém
e é morto por Charlie. Ninguém pretende testemunhar contra Charlie, nem mesmo
Axel. Ele então cria coragem de falar com os pais, que dizem que lhe esperam em
casa. Antes de partir, no entanto, encontra-se com Lucy e após ser acolhido é
expulso de sua casa quando ela fica sabendo que ele testemunhara a morte do
marido e nada dissera, também despertando a revolta de Ellen, que lá se
encontra. Axel parte disposto a denunciar Charlie à polícia, porém muda de
ideia.
Em
seu filme de estreia, Ritt, um dos talentosos realizadores liberais americanos
a ganhar proeminência no período, brinda-nos com algumas belas imagens, como a
quase evanescente de um mar cintilante com Poitier e Cassavetes tendo sua
primeira verdadeira conversa como se flutuassem no mesmo. Ou, de forma um pouco
menos intensa, outro lanche da dupla em cima de um vagão tendo o topo do Empire
State ao fundo. O charme do mistério de Axel, evidentemente, não poderia
esperar um terço do filme avançar para ser devidamente justificado
psicologicamente: acidentalmente matou o irmão. Outros mistérios ainda serão
desvelados. Cassavetes impregna seu personagem com uma carga de
homossexualidade latente que não passou despercebida aos censores da época,
embora seja de longe menos incisiva que a presente em um personagem como o
Spganolo de Obsessão (1943), de
Visconti e, inclusive, não sendo lembrado ou detectado mesmo em O Celulóide Secreto, documentário que
se propõe tirar do armário personagens gays do cinema clássico. E ele o
constrói brilhantemente, através de uma timidez algo acabrunhada, indecisa dos
gestos, assim como na projeção de sentimentos na figura do irmão morto, que diz
ter sido a única pessoa que amou na vida, assim como o pai, com quem nunca
trocou mais que cumprimentos básicos. Como também pelos traços paranoicos da
figura masculina paterna a ser reproduzida constantemente (no exército, na
figura de um sargento, no trabalho atual, na figura de Charlie). E não deixa de
ser pungente não apenas que Tommy procure forçar a relação de Axel com Ellen,
como o próprio filme em si, enquanto as projeções afetivas desse parecem um
tanto deslocadas ou impossíveis de se concretizarem de fato (o irmão, Tommy). A
trilha de Rosenman, porcura traduzir, da forma pouco sutil como habitual então
(e não apenas então), a tempestade emocional vivida por Axel, no momento em que
vaga a esmo pela cidade até se dirigir ao apartamento de Tommy. Poitier
apresenta uma faceta mais sexualizada, viril, requebrando-se ao som da música,
a determinado momento, e fazendo uma referência subliminarmente sexual sobre
Ellen que o habitual. O bom mocismo de seu Tommy aqui, enquanto
representante-mor da pretensa integração racial no cinema liberal de então,
custa-lhe nada menos que a vida. E a Poitier, o estranho caso de, mesmo sendo
sua co-estrela, sumir com um terço do filme ainda a se desenrolar. E ao personagem branco de
Casssavetes, a morte de Tommy significará uma espécie de redenção, conseguindo
voltar a manter contato com os pais, nem sequer delatando quem de fato
assassinara o amigo, e ainda se justificando perante a sua viúva. E, numa saída
um tanto absurda e irrealista, assassinando Charlie diante de todos os
companheiros impassíveis de trabalho,
quando inicialmente sua decisão fora a de entrega-lo à polícia, quase
como fosse necessário esse esforço insano de vivenciar sua “superação” das
fraquezas que o atormentavam provocando uma segunda morte. Virada essa
necessária aos personagens sobre os quais pousava uma ambiguidade quanto a
sexualidade, como Newman no contemporâneo Gata em Teto de Zinco Quente (1958), de Richard Brooks. Maguire, que só havia feito televisão até
então, praticamente só o faria posteriormente em sua carreira, com umas poucas
outras incursões pelo cinema no final dos anos 70 e idos da década seguinte. National Film Registry em 2023. David Susskind Prod./Jonathan Prod./MGM para MGM. 85 minutos.
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