Filme do Dia: La Otra Cuba (1984), Orlando Jiménez-Leal


L'altra Cuba Poster

La Otra Cuba (Itália/EUA, 1984). Direção: Orlando Jiménez-Leal. Rot. Original: Carlos Franqui, Valerio Riva, Orlando Jiménez-Leal & Jorge Ulla. Fotografia: Orlando Jiménez-Leal, Emilio Guede, Erich Kollmar, Henry Vargas, Ramón Carthy & Ramón Suárez.
Documentário que não poupa espaço, tempo ou imagens para criticar ferozmente o regime cubano. O que Jiménez-Leal também expressou em outros documentários seus, de forma mais focada (o contemporâneo Mauvaise Conduite lida exclusivamente com a perseguição aos homossexuais, 8-A, de 1993, com o julgamento do general Arnaldo Ochoa Sanchez). Se o cinema ficcional cubano encontrou brechas para criticar o regime  sob  determinada perspectiva, ainda que leve e humorística e se o filme de propaganda do regime provavelmente baniu qualquer dimensão crítica, esse filme sinaliza em seu extremo oposto, em que praticamente nenhuma vírgula é dita a respeito de positivo em relação ao mesmo, algo compreensível, em se tratando de uma produção de oposição ao regime e contando como entrevistados exilados, sejam anônimos ou personalidades do mundo da cultura, mas talvez de potencial comprometimento tal e qual o cinema oficial do regime. Tendo como uma das motivações iniciais uma nova onda de imigração maciça para os Estados Unidos, o documentário se equilibra entre imagens de arquivo (algumas delas francamente chocantes, como a de uma execução filmada de um oponente do regime) e a fala de depoentes onde em grau crescente de metragem se encontram anônimos, personalidades do mundo político cubano agora exiladas e artistas, sobretudo escritores (incluindo Reynado Areñas, falando sobre a repressão a outro escritor, também homossexual,Virgilio Piñera, caído em desgraça pelo regime). A narrativa elaborada, de forma nada preocupada com a cronologia, tal como a memória ou a conversa entre amigos, parte da situação contemporânea e avança em um passado ainda pouco conhecido e/ou divulgado, no qual Castro nega inicialmente se tratar de um regime comunista o que se instaura após a queda do ditador Fulguencio Batista, algo que logo terá que desmentir quando Cuba se torna dependente do bloco soviético, ou mais particularmente da União Soviética. Algo que é acentuado quando toca no episódio da crise dos mísseis cubanos, que segundo o narrador foram retirados sem qualquer notificação ao próprio Castro,  demonstrando o nível de autonomia dos soviéticos em solo cubano, e de submissão desses, submissão essa chancelada por seu próprio líder. Outro ponto sensível e muito pouco conhecido diz respeito aos posteriores expurgos que faz desaparecer ou prender a maior parte dos aliados próximos do governo revolucionário. O momento de ruptura é evidenciado de forma breve, como aquele que se refere ao apoio de Castro a invasão da Tchecoslováquia pela União Soviética como aquele em que somente o exílio fazia sentido agora, a partir da opção de não  mais retornar ao país ou o momento mais demorado em que Cabrera Infante comenta o histórico episódio da proibição do curta documental P.M., produzido e dirigido por seu irmão, momento de racha da classe artística com o regime e somado as intervenções em sua própria publicação. Com argumentos fortes como a partida para o exílio de cerca de um oitavo da população como um todo e imagens que demonstram os rituais bizarros de um regime ditatorial de corte stalinista, como o discurso de uma garota em meio a um congresso do partido comunista cubano que em tudo e por tudo é uma reprodução da mise-en-scène de sua matriz soviética o filme, no entanto, acolhe a declaração nostálgica de uma antropóloga sobre a Cuba pré-revolucionário e a exaltação de uma democracia liberal de modelo tipicamente ocidental periférico sem qualquer outra moldura que o discurso de seus depoentes e a estruturação narrativa do próprio filme, que mescla depoimentos com uma mais convencional voz over do modelo clássico. A cisão entre os que ficaram e os que partiram, sobretudo no campo artístico, pode ser sentida igualmente quando se faz tábula rasa a todo o cinema produzido no país que não seja aquele com o qual os realizadores se identificam (ou seja, o curta mencionado e um longa produzido no exílio), incluindo nomes que obtiveram muito maior relevância no campo cinematográfico como o de Tomás Gutierrez Aléa, valendo a mesma sistemática para a arte em geral; a determinado momento alguém afirma que todos os artistas plásticos cubanos de expressão se encontram fora do país; porém quando se viu a omissão ao próprio cinema cubano, uma interrogação se cria diante do afirmado. Os exemplos virtuosos em todos os campos, aliás, inclusive no econômico, como o alto executivo que é observado em seu escritório em uma torre de Nova York, referem-se ao que saíram. Ao se privilegiar a dimensão individual sobre a coletiva, e sobretudo a individual bem sucedida – bem menos tempo é apresentado a outra face mais numerosa dessa migração e quando o é, se dá sobre o viés de uma ficção cinematográfica – a coletiva somente surge sob o signo do caos dos expurgos, migrações, perseguições e violência, assim como das referidas execuções. Nada se menciona, nem mesmo de passagem, ao nível de equanimidade impensável para o padrão anterior, dos níveis de saúde e educação para a população como um todo.  Por sua vez existe ao menos dois depoimentos de lideranças que relatam sobre torturas ou o período em que estiveram presos (um deles o narrador afirma que esteve três anos presos sob o regime de Batista e dez com o regime comunista, defendendo sub-repticiamente uma visão de que se tratou de uma ditadura ainda mais efetivamente sanguinária). As imagens de reencontro entre famílias em Miami (cidade lembrada antes por suas praias e agora por possuir meio milhão de cubanos afirma a narração) são recorrentes (imagens que foram trabalhadas magistralmente, em outro contexto, mas situação similar, por Pelechian, de forma poética, em seu Nós). Produto do calor de sua época e daqueles que a produziram, esse documentário tanto se beneficia da verve retórica proveniente desses quanto inescapavelmente soa demasiado unidimensional em seu retrato. Sua última imagem é de uma cartela com frase de Cabrera Infante que se refere a que a ilha sobreviverá a todos (índios, espanhóis, americanos, russos, cubanos). RAI/Guede Films. 99 minutos.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng