Filme do Dia: Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984), Pedro Almodóvar
Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (¿Qué he hecho yo para merecer esto?!!, Espanha, 1984). Direção: Pedro Almodóvar. Rot. Original: Pedro
Almodóvar, baseado em seu próprio argumento. Fotografia: Ángel Luis Fernández.
Música: Bernardo Bonezzi. Montagem: José Salcedo. Dir. de arte: Román Arango
& Pin Morales. Cenografia: Román Arango. Figurinos: Cecilia Roth. Com:
Carmen Maura, Chus Lampreave, Verónica Forqué, Ángel de Andrés López, Gonzalo
Suárez, Juan Martínez, Kiti Manver, Luis Hostalot, Amparo Soler Leal, Emilio
Gutiérrez Caba, Katia Loritz.
Gloria (Maura), viciada em tranqüilizantes, é uma
dona de casa de um subúrbio de Madri que possui um marido indiferente, Antonio
(López), uma sogra excêntrica (Lampreave), um filho traficante e como melhor
amiga a prostituta Cristal Scott (Forqué). A desintegração familiar só tende a
crescer quando ela entrega seu filho mais novo, Miguel (Herranz) para um
dentista pedófilo (Gurruchaga), o marido volta a manter contato com uma
ex-amante, a alemã Ingrid Muller (Loritz) e é acidentalmente morto por
Gloria, e o filho mais velho, Juan
(Martinez) decide abandonar a casa com a avó, indignado com a morte do lagarto
de estimação. Quando pensa em pôr um fim a própria vida, Gloria é surpreendida
pelo retorno de Miguel à casa.
O
que menos importa é o enredo nesse filme onde as situações e a multiplicidade
de personagens compõem uma teia que alterna entre o cômico nonsense e alguns momentos de melodrama de tinturas próximas as do
Neorrealismo italiano. Ao caráter amador de seus primeiros filmes – com
destaque para uma visível falha de continuidade nos planos do impulso suicida
de Gloria – une-se uma potencialmente anárquica visão amoral de seus
personagens, ao mesmo tempo apaixonada e irônica sobre o universo suburbano e kitsch em que se relacionam. Entre esses encontram-se alguns que a narrativa segue
em tramas paralelas, como um casal que pretende forjar uma biografia de Hitler,
uma criança com poderes paranormais que ajuda Gloria a remodelar sua cozinha e
um policial que tenta curar sua impotência com a melhor amiga de Gloria. Ainda
mais que em seus filmes posteriores, com um nível crescente de sofisticação
visual e psicologização de seus personagens, que chega ao pico em Tudo Sobre Minha Mãe (1999), esse e
outros filmes que o cineasta realizou na época parecem mais orgânicos em termos
de conjugar o submundo em que vivem seus tipos com imagens não menos
desconfortáveis, esteticamente distantes, por exemplo, dos padrões
convencionais do cinema internacional em termos de fotografia e montagem. Da
mesma forma elementos de humor negro coíbem, a todo momento, que uma
identificação possa ser plenamente vivenciada – a cena mais dramática e
comovente do filme que é a do reencontro entre mãe e filho é contrabalançada
pela declaração seca da mãe que afirma que o marido recentemente falecido nem
mesmo chegara a perceber a ausência de Miguel. O estilo, embora flerte com o
realismo, distancia-se desse no caráter excessivo com que o cineasta enfatiza
certas situações, como no pródigo exemplo do diálogo em que Lucas tenta
convencer Antonio a imitar a letra de Hitler, cena presenciada por uma pequena
multidão, sem nenhuma explicação aparente. Almodóvar também debocha da tv,
apresentando dois sketches representando um programa (com a participação
dele próprio) e um comercial de café hilário. Os belos planos finais ressaltam
que aquela é apenas uma entre as
milhares de histórias que se escondem por trás das janelas do imenso
condomínio popular em que vive Gloria e sua família. Como todos os filmes do
primeiro momento de sua carreira, esse também é impregnado por essa verdadeira
catarse libidinal que a sociedade espanhola vivenciou após o final da ditadura
de Franco. Seu estilo narrativo já demonstra um nível de sofisticação maior que
o de Maus Hábitos (1983). Essa
versão exibida na tv a cabo é 10 minutos mais curta que a original. Tesauro S.A./Kaktus Producciones Cinematográficas S.A.
91 minutos.
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