Filme do Dia: O Homem Irracional (2015), Woody Allen


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O Homem Irracional (Irrational Man, EUA, 2015). Direção e Rot.Original: Woody Allen. Fotografia: Darius Khondji. Montagem: Alisa Lepselter. Dir.de arte: Carl Sprague. Cenografia: Jennifer Engel. Figurinos: Suzy Benzinger. Com: Joaquin Phoenix, Emma Stone, Parker Posey, Jamie Blackley, Betsy Aidem, Ethan Phillips, Sophie von Haselberg, Susan Pourfar, Tom Kemp.
Abe (Phoenix) é um professor de filosofia recém-chegado a universidade de uma pacata cidade de Rhode Island, despertando a atenção tanto da sua jovem estudante Jill (Stone) quanto da madura cansada do casamento, Rita (Posey). Jill, mesmo em vias de estabelecer um compromisso mais resoluto com Roy (Blackley), deixa-se levar por sua crescente paixão por Abe, enquanto ele demarca uma amizade. Após uma tentativa frustrada de sexo com Rita e uma assustadora brincadeira de roleta russa diante de um grupo de alunos aterrorizados numa festa, Abe escuta casualmente o relato sórdido de uma mulher que teve sua vida arruinada por conta de um juiz, Spangler (Kemp). É o gatilho para que Abe passe a planejar obsessivamente a morte do juiz como transformação existencial para sua vida. E o faz. E sua vida de fato se transforma. Ou ao menos assim ele acha, relacionando-se ao mesmo tempo com Rita e Jill. Roy finda seu relacionamento com Jill, enquanto essa começa a juntar os cacos do “crime perfeito”.
A forma como é disposto uma das habituais querelas “filosóficas” de Allen, surgindo como um prato feito a partir de uma conversa escutada ao acaso em uma lanchonete não tem outra palavra para ser aplicada: pretensão. O resultado dessa mescla entre situações banais, vividas por personagens banais e a redescoberta da “vitalidade” do protagonista, associada ao desejo de matar, chega a ser quase involuntariamente cômico.  Phoenix bem que se esforça para parecer um professor de filosofia crível. E não falta as habituais coadjuvantes de ranço sofisticado e repletas de beleza outonal; no caso em questão Posey, de maxilar pronunciado como o de Katharine Hepburn. E se as situações forçosas de se planejar um crime perfeito e calculado remetem a certos tipos e situações tão fúteis quanto em Hitchcock, a diferença é que aqui se está mas de meio século após.  Assim como o assassino ficar comentando sobre hipóteses a respeito do próprio ato que cometeu. Como de longa data tem ocorrido com os filmes de Allen, sua exuberância em muito ultrapassa suas qualidades dramáticas, e aqui notadamente sua fotografia deslavada, as vezes quase a meio caminho para o sépia. Quanto aos personagens, fica-se sempre com a impressão que se encontram a reboque de algo maior, que são os fios de tessitura do enredo e, pior que isso no caso de vários filmes seus, como esse aqui, de uma dimensão pretensiosa que envolve morte e Dostoiévski. Dito isso,, ao mesmo tempo que a referência a Hitchcock pode parecer demeritória a Allen, traz algum charme ao filme que talvez resista menos a comparações com outra obra que segue a mesma linha, Ponto Final. Se aparentemente da herança hitchcockiana a nível mais capilar ele pode remeter a Pacto Sinistro ou Festim Diabólico, de forma bem mais interessante, e talvez mesmo involuntariamente, é sua potencial vinculação com A Sombra de uma Dúvida, com uma Jill voltando ao trajeto de uma banal vida de classe média após ter sido “contagiada” pelo lado obscuro e insondável, tal como a admiração da sobrinha pelo tio na obra-prima de Hitchcock. E seria desonesto não percebê-lo, tal como sua própria banda musical, desde os créditos iniciais, enquanto fugindo ao clichê algo irritante da maior parte de suas produções temporalmente próximas, calcadas em uma nostalgia de uma “época de ouro”  do que seria a música e a própria história norte-americanas. O distanciamento da sentimentalidade traz uma possível releitura do noir, por si só um gênero não dado a grandes sentimentalismos, que consegue ir alguns passos além da previsibilidade de seu final, com a tentativa frustrada de assassinato. Porém talvez em A Sombra de uma Dúvida o personagem vivido por Cotten fosse uma encarnação mais carismática do “desvio” que a figura turrona, nada encantada com a vida e pouco amistosa de Phoenix, mais próxima, mesmo que em recorte menos leve, dos alter-egos do realizador; chave que aliás talvez não se transforme tanto quando da “virada” provocada pelo crime. Comparado aos crimes planejados habitualmente pelo noir, aqui não se mata alguém conhecido com motivações financeiras ou afetivas, mas dentro de uma linha de raciocínio abstrata, como um motivo moral tal como em Dostoiévski, um dos heróis prediletos de Allen e devidamente citado a determinado momento, assim como filmes de Hitchcock acima citados e, também diferentemente do noir, após o crime vem menos a sensação de punição e culpa que a catarse e uma nova vida. Gravier Prod. 95 minutos.


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