Filme do Dia: A Linha Geral (1929), Sergei Eisenstein
A Linha Geral (Staroye i Novoye, URSS, 1929). Direção e
Rot. Original: Serguei Eisenstein & Grigori Aleksandrov. Fotografia: Eduard
Tissé. Dir. de arte: A. Burov, Vasili Kovrigin & Vasili Rakhals. Com: Marfa
Lapkina, M. Ivanin, Konstantin Vasilyev, M. Ivanin, Vasili Buzenkov, Nejnikov,
Chukamaryev, Ivan Yudin.
Marfa
(Lapkina) incentiva a pobre comunidade rural a montar uma cooperativa e, não
sem algum esforço, consegue fazer com que não gastem o dinheiro do primeiro
lucro recolhido, já que almejam comprar um touro reprodutor. O touro é
comprado, uma festa é feita para a união dele com uma vaca, que gera os
primeiros bezerros da fazenda. O próximo passo será a compra de um trator.
Porém, tanto os burocratas do partido quanto os proprietários privados da terra
não facilitam que os sucessos conseguidos prossigam. O touro é envenenado e
existem empecilhos para a aquisição do trator, já que a garantia desse se
encontra atrelada aos resultados da primeira colheita. Mesmo inicialmente
abatida, Marfa não desiste e consegue efetivar uma cruzada contra os
burocratas, adquirindo o trator, primeiro de vários, e iniciando uma produção
agrícola em mais larga escala, com o auxílio voluntário dos trabalhadores da
cidade.
Filme
divisor de águas na carreira de Eisenstein. Mesmo com a marca da montagem
hiperdinâmica em termos de tempo, não mais que uma média de 3 segundos por
plano, que caracteriza sua produção anterior, o filme igualmente se rende a
princípios dramáticos mais convencionais, como a escolha de protagonistas, por
mais que a dimensão coletiva tampouco desapareça. Há também uma chave menos
épica, monumental e triunfante que a presente em Outubro ou O Encouraçado
Potemkin, e a história é narrada num ritmo mais lento e sujeito a
digressões peculiares, como a hilária cena do “casamento” do touro. O
esquematismo associado ao sem tom de propaganda tampouco deixa de se fazer
presente, tanto através de seus protagonistas, sobretudo Marfa, encarnação do
“herói positivo” pregado pelo Realismo Socialista quando, em determinados
momentos, pela própria narrativa, como ocorre no momento em que os progressos
da cooperativa são apresentados em seus detalhes. Nesse último sentido, em
vários momentos situações são apresentadas sem pressa, como a do trator puxando
uma cadeia de carroças, algo mimetizando o árduo esforço empreendido para se
chegar a vitória final. Essa, por sinal, é apresentada a partir de cacoetes não
muito diversos dos do cinema clássico, evocando várias situações passadas
vividas por Marfa. Tampouco Eisenstein deixa de caricaturar os opositores da
“cooperativa”, sendo os vilões menos personificados individualmente, que
vinculados a sua condição de proprietário privado – um dos tipos observado com
a habitual obesidade e lentidão com que comumente são retratados os “inimigos
do povo” – ou burocrata. Numa sequencia visualmente excêntrica, observa-se de
ângulos pouco comuns, uma carta sendo ditada para uma secretária em sua máquina
de escrever. A montagem é utilizada de forma ainda mais acelerada em momentos
como o do culto religioso ou a célebre sequencia da desnatadeira. Destaque para
a delicada forma com que um efeito de montagem sobrepõe parte de uma ação
visada no plano anterior no plano seguinte, de forma quase imperceptível, em
relação ao corte, como no momento em que a desnatadeira é apresentada aos membros da cooperativa ou que um dos
membros, o mais reativo a ideia de devolver o dinheiro conquistado, deposita as
moedas no fundo comum dos cooperativados. E igualmente para os belos planos em
que o trigal acaba mais se assemelhando a ondas do mar. Foi vítima das novas
imposições que estavam ocorrendo no campo cultural soviético, tendo sua
montagem modificada várias vezes. Marfa Lapkina, atriz não profissional
precocemente falecida poucos anos após, teria sua única participação no cinema
nessa produção, emprestando seu peculiar brilho ao filme do início ao final.
Sovkino. 121 minutos.
Comentários
Postar um comentário