Filme do Dia: Roda Gigante (2017), Woody Allen
Roda Gigante (Wonder
Wheel, EUA, 2017). Direção e Rot. Original: Woody Allen. Fotografia:
Vittorio Storaro. Montagem: Alisa Lepselter. Dir. de arte: Santo Loquasto &
Miguel López-Castillo. Cenografia: Regina Graves. Figurinos:
Suzy Benzinger. Com: Jim Belushi, Kate Winslet, Justin Timberlake, Juno Temple,
Max Casella, Jack Gore, David Krumholtz, Robert C. Kirk.
Anos 1950. Ginny (Winslet) é uma
atriz frustrada que vive uma vida relativamente tranquila com o marido Humpty
(Belushi) como garçonete em uma decadente Coney Island até a chegada da filha
desse, Carolina (Temple), de outra união, que foge de um casamento fracassado
com um gangster, a quem denunciou sob pressão policial. Ginny busca fugir de sua vida modorrenta de dona de
casa, estressada com o filho piromaníaco Richie (Gore) e agora com a presença
de Ginny e a possível confusão que poderá provocar à família nos braços do amante
mais jovem salva-vidas, Mickey (Timberlake). Certo dia, numa situação
casual, Ginny apresenta Carolina ao
amante e uma atração imediata acontece entre ambos. Gangsteres enviados pelo
ex-marido buscam por Carolina e Humpty, em um primeiro momento, consegue
despistá-los. Após vacilar por algum tempo, Mickey decide que quer ficar com
Carolina, que conta sobre os graduais avanços dele a Ginny, que fica
crescentemente enfurecida com ela. Ginny fica sabendo que os gangsteres
descobriram que Carolina trabalha com ela no mesmo restaurante. Ela pensa em
ligar para o restaurante em que os dois se encontrarão, mas no último minuto,
com o telefonema já atendido, desiste.
Mickey revela a Carolina que ele mantém uma relação com sua madrasta,
mas também que a ama e ela decide ir a pé para casa, não mais aparecendo.
Richie vai até a casa de Ginny e a confronta.
Embora os temas que apresente não
sejam exatamente novidade em sua filmografia, provavelmente é a incursão mais
audaciosa e arriscada de Allen em tempos, e apenas por isso já merece ser
assistido. Essa se dá na mescla algo perigosa e talvez não exatamente bem
resolvida entre elementos cômicos, sobretudo os vinculados ou que extravasam do
próprio drama das personagens mais que o comentário cômico à parte do garoto
piromaníaco, uma representação não muito distante dos alter egos infantis do
próprio realizador em outras produções (como A Era do Rádio). Isso talvez se deva a insegurança de Allen em
abraçar por completo o drama, embora momentos evocativos de um drama de câmara
surjam em um ambiente extremamente popular e mais trespassado, ao longo de sua
carreira, pela mais cômoda veia humorística do realizador, numa busca de
diálogo com um dramaturgo como Eugene O’Neill, citado frequentemente por
Mickey. Evidentemente que Allen não é O’Neill e nem pretende sê-lo e suas
personagens são por demais unidimensionais ou clichês para que seus dramas
reverberem em um tom mais elevado e reflexivo, mas nem por isso deixam de ser
dignas de alguma empatia. Nesse quesito o Humpty de Belushi é a própria
caricatura da figura masculina de baixa renda (e sensibilidade), a despeito da
bem conseguida interpretação do ator enquanto a de Winslet demonstra uma garra
invejável. Timberlake é o menos afinado do quarteto principal, o que não é bom
para o filme, já que também faz às vezes de narrador, dirigindo-se diretamente
à câmera. Nos quesitos direção de arte e fotografia é que o filme vai mais
longe. No caso da primeira, sejam os adereços de cena, ou as imagens
reconstituídas virtualmente de uma feérica Coney Island no verão que abrem o
filme recebem a assinatura do veterano colaborador de Allen, Loquasto. Na
segunda, se tem uma fotografia e iluminação embriagadoramente belas, a cargo do
mestre Storaro, sem exatamente sufocar a narrativa como em algumas produções temporalmente
próximas de Allen, inclusive na anterior igualmente fotografada por Storaro (Café Society). O realizador não deixa
de fazer alusões discretas a essa (a luz) quando Mickey comenta que Carolina se
encontra muito bela sobre uma iluminação de chuva. Dentre as debilidades que
beiram à incongruência se encontram a excessiva ingenuidade de uma Carolina que
havia vivido em meio aos gangsteres e, sobretudo, dois desses simplesmente não
averiguarem ou rapidamente descobrirem que essa se encontrava com a família.
São licenças dramáticas que funcionam sem grande esforço no terreno que Allen
habitualmente se move, o das comédias, mas não aqui. Ainda que por isso, essa
espécie de Quasímodo dramatúrgico merece mais atenção que as insípidas comédias
de maior organicidade e menor risco que o realizador tem efetivado em profusão
em período próximo e não tão próximo assim ao desse filme. Não deixa de ser um
ato falho que, mesmo a história ocorrendo nos anos 50, a criança vá assistir Voando para o Rio (1931), produção
muito mais próxima do momento em que Allen fora criança que da personagem de
Richie. Às feministas, provavelmente
detestarão o grau de auto humilhação ao qual se impõe Ginny, por mais que faça
muito mais sentido à época em que a história se passa. Há determinado momento
se percebe com grande destaque ao fundo o cartaz de Winchester’73 (1950), de Anthony Mann. Amazon Studios-Gravier Prod.-Perdido
Prod. Para Amazon Studios. 101 minutos.
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