Filme do Dia: A Trip to Mars (1918), Holger-Madsen


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A Trip to Mars (Himmelskibet, Dinamarca, 1918). Direção: Holger-Madsen. Rot. Adaptado: Ole Olsen & Sophus Michaëlis, a partir do romance da segunda. Fotografia: Frederik Fuglsang & Louis Larsen. Dir.de arte: Carlo Jacobsen & Axel Bruun. Com: Gunnar Tolnæs, Zanny Petersen, Nicolai Neiiendam, Alf Blütecher, Svend Kornbeck, Phillip Bech, Lilly Jacobsen, Frederik Jacobsen.
Avanti (Tolnæs), filho do renomado astrônomo Planetaros (Neiiendam), decide levar a sério a construção de um foguete que o levará à Marte, provocando a pilhéria do despeitado prof. Dubius (Jacobsen). Ele consegue, no entanto, e arregimenta uma tripulação que inclui seu melhor amigo, Dr. Kraftt (Blütecher), amado de sua irmã, Corona (Petersen). A tripulação tenta se amotinar em meio a longa viagem. Eles chegam enfim ao planeta vermelho e, para seu espanto, descobrem um mundo em que a paz reina imperiosa e não se come carne. Avanti atira contra um animal e seu tiro provoca polvorosa entre os marcianos, que há milênios não sabem do que se trata, ferindo um deles. A filha do líder marciano (Bech), Marya (Jacobsen) se encanta por Avanti e busca redimi-lo, assim como o grupo, não pelo castigo mas pela autoconsciência de seus atos. A regeneração ocorre ao ponto do próprio Avanti decidir por ficar em Marte quando Kraftt, saudoso de Corona, pretende voltar. Porém, Marya se encontra disposta a viajar à Terra e no mesmo dia de sua partida, seu pai decide dar adeus ao mundo. Enfrentando dificuldades quando já se encontram próximos de aterrissar, o grupo chega são e salvo e os dois casais comemoram, sendo Avanti e Marya abençoados por Planetaros.
Tal como a tida primeira ficção-científica britânica, A Message from Mars (1913) essa que alguns apontam como  o equivalente na Dinamarca – o que não é verdade, tendo em vista O Fim do Mundo, de August Blom, de dois anos antes -  lida igualmente com marcianos, mesmo que numa moldura talvez um pouco mais próxima de fato do gênero e não apenas como suporte para um melodrama de viés bem mais convencional como aquela. De fato, o filme investe boa parte de sua narrativa na viagem à Marte e, antes disso, na construção de uma “nave espacial”.  Se já existe um esboço de decupagem mais clássica aqui, com planos que destacam elementos a partir de outros mais abertos, deve-se dar o desconto da passagem de cinco anos que foram fundamentais para o desenvolvimento da narrativa clássica.  E, ainda assim, na cena final, a composição que enquadra os dois casais próximos da câmera com o pai de um dos homens abençoando um dos casais, é construída, tal como na produção britânica, pela aproximação dos atores da mesma; após a cartela, no entanto, um plano mais aproximado, destaca o casal que “realmente importa” e o pai, plano esse que já era introduzido nos finais das primeiras narrativas cinematográficas do primeiro cinema, como O Resgate de Rover. Por outro lado, as interpretações parecem demasiado grandiloquentes e de um exagero próximo do cinema expressionista, só que sem uma proposta estética similar, sobretudo no momento de empolgação inicial do protagonista, tresloucadamente entusiasmado com a obsessão da conquista do espaço, mas retornando para destacar a grandiosidade moral dos marcianos que como Marya ou seu pai, antes de soltarem suas pérolas não exatamente aos porcos (já que há um processo de descoberta por parte de alguns, de redenção moral por parte de outros) viram o rosto de forma arrebatada e olham para o infinito. Portanto a direção de atores soa menos naturalista que seu predecessor que talvez fosse uma produção do conhecimento do realizador dessa produção, tendo em vista o maior ponto em comum entre ambas as produções: os marcianos não apenas são seres mais evoluídos em termos de moral, como a percepção futurista de construção visual deles tem igualmente muito de passadista, com trajes e edificações que lembram a antiguidade greco-romana, mesmo que existam distinções, já que aqui se adentra com bem maior detalhe na cultura marciana, visitada pelos terráqueos, em contraposição daquele, que era um marciano entre nós e pouco se vislumbrava daquela, mesmo nos momentos em que se passava entre os marcianos, que pareciam completamente a reboque de sua curiosidade pelos habitantes da Terra. Provavelmente o título da produção britânica serviria melhor para essa produção, em que há expectativas de que a mensagem de paz que a tripulação leve contamine a terra como um todo e não apenas uma alma empedernida como naquele. O misticismo sensibilista-pacifista marciano, aqui ainda muito mais decantado que em  Message from Mars, tem como reflexão a I Guerra Mundial que findaria justamente no ano de seu lançamento, então haja trajes brancos esvoaçantes, danças da castidade e temas musicais diáfanos (mesmo que elaborados retrospectivamente, já que se trata de um filme mudo), no que poderia ter rendido bem mais e potencialmente provocado um maior interesse ao público contemporâneo de um século depois se não polarizasse de forma tão acentuada entre marcianos puros x terráqueos impuros, contraposição essa que é observada didaticamente sem fazer uso de um recurso que seria padrão no cinema clássico como o flashback; aqui se observa a cartela afirmando essa contraposição em bossa de discurso indireto livre e se passa imediatamente a cenas de degradação humana em três situações distintas, duas delas evocando a sexualidade. Aqui, como em De Mille, e séculos antes dele e do próprio cinema, vários exemplos de arte sacra,  a expressão da pureza e santidade é o passaporte muitas vezes para o erótico,  como é o caso da corte entre Marya e Avanti. Noutro momento, os marcianos afirmam que em seu passado também houve erros e Avanti é levado às imagens desse passado, numa evocação quase cristalina do papel regenerador do cinema, e particularmente do filme em questão, herdeira de Griffith (A Drunkard’s Reformation como ápice). Se a abordagem moral é um dos pontos menos interessantes do filme, sua elaboração gráfica que remete ao universo das histórias em quadrinhos, inclusive com os nomes dos personagens evocando o que são (Dubius para o vilão, Planetaros para o astrônomo), talvez o que existe de melhor. Desnecessária a esperada morte do vilão, inclusive da forma mais que previsível, selando com seu fim o fim da tempestade que ameaçava o voo do eixo do bem e lhe angariando, na verdade, bem maior poder, que o algo simpático ranheta possuía.  Destaque para uma família tão unida que inicialmente se pode arguir que a garota que surge seja amante ou namorada e não a irmã de Avanti e namorada de seu melhor amigo. Algo que os créditos aliás são cúmplices ao elencar a dupla de irmãos como astros principais e o pai vindo logo a seguir e a figura de Marya, provavelmente mais presente em cena que a primeira e certamente mais que o segundo tendo destaque bem marginal. E, soma-se a isso, do núcleo dramático marciano, uma filha que literalmente se une ao marido no dia da partida de seu pai para a vida eterna. Também chama a atenção na chegada em Marte o comportamento dos nativos que, mesmo tendo estranhos em seu planeta, e sendo aparentemente mais “evoluídos”, reagem de forma muito similar a alguns quadros que destacam a subserviência indígena diante dos colonizadores europeus. Desnecessário dizer de seu recorte cristão, ficando praticamente sugerido que todo o grupo pregará o exemplo de paz que vivenciaram em Marte tal como os apóstolos e que o filho de Marya e Avanti terá boas chances de ser um novo Messias. Claramente é uma produção muito mais requintada que sua contraparte britânica, destacando-se o partido que tira dos seus inúmeros extras espalhados pelas tomadas em ampla profundidade de campo, sendo essa um aliado importante de sua busca de representar uma “grandiosidade mística”, grandiosidade essa tão rasa e acessória quanto o gênero habitualmente vem reproduzindo até os dias de hoje. Originalmente o filme contava com 17 minutos a mais.  Nordisk Film. 80 minutos.

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