Filme do Dia: Cabaret Mineiro (1980), Carlos Alberto Prates Correia
Cabaret Mineiro (Brasil, 1980). Direção: Carlos Alberto Prates
Correia. Rot. Adaptado: Carlos Alberto Prates Correia, a partir do conto Soroco,
Sua Mãe, Sua Filha, de Guimarães Rosa. Fotografia: Murilo Salles. Música:
Tavinho Moura. Montagem: Idê Lacreta.
Dir. de arte e Figurinos: Carlos Wilson. Com: Nelson Dantas, Tamara Taxman,
Tânia Alves, Helber Rangel, Louise Cardoso, Maria Sílvia, Eliane Narducci, Dora
Pellegrino, Carlos Wilson.
Numa viagem de trem, Paixão (Dantas) se envolve
com uma mulher ousada e sensual, Salinas (Taxman). Na manhã seguinte, percebe
que não existe ninguém no vagão. Paixão tem um sonho erótico no qual mulheres
dançam semi-despidas, dentre elas Salinas. Ao voltar a Montes Claros, Paixão
fica obcecado por Avana (Alves), dona de um cabaré. O casal sofre o ataque de
uma onça, que Paixão mata e vem a descobrir se tratar de uma linda morena.
Essa produção, uma adaptação bastante original
de Guimarães Rosa, é algo bastante exótico no panorama cinematográfico
brasileiro do momento no qual foi produzida. Grandemente experimental e sem se
ater a uma vinculação narrativa mais ortodoxa, ao mesmo tempo parece beber das
fontes de experimentação advindas do cinema alegórico brasileiro via Cinema
Novo e Cinema Marginal e mesmo do super-oitismo, reinado onde a experimentação
perdurou quando os cineastas de cunho mais autoral abandonavam as alegorias herméticas do
final dos anos 60 e idos de 70 por trilhas mais ortodoxas. Correia, no entanto,
adicionou a esse experimentalismo um viés musical que dialoga fortemente com o
imaginário e cancioneiro populares, um erotismo travesso e colorido a desafiar
um momento que ainda se vivenciava uma tímida abertura para a redemocratização
no país e um cadinho de referências auto-reflexivas que vão do genial momento
no qual Nelson Dantas, ator mais recorrente, afirma que viajará “após o final
desse plano” ou a inclusão do próprio nome do cineasta numa das canções
populares marcadamente não naturalistas, inclusive muitas vezes quando os
personagens declamam o que provavelmente são passagens literais da obra de Rosa. A inventividade visual a partir de motivos simples, como o
que os rostos de Dantas e uma das atrizes cantam uma canção em dueto e não se
restringe a essa, pois parecemos quase sentir de forma táctil esse momento de
intimidade do casal, a troca de olhares cúmplice e com um nível de
espontaneidade e relaxamento algo incomum no cinema brasileiro de ontem e de
hoje. Seu caráter ensaístico e entrecortado, aqui e acolá pontuado por efeitos
visuais que surpreendem – como as duplas a deslizarem pelas ruas, enquanto se
ouve Lady Laura de Roberto Carlos, suscita paralelos com o cinema de
Godard e, a determinado momento, até um quadro surge menor dentro da imagem
mais ampla, antecipando experimentações como as de Peter Greenaway. Ou ainda o
corpo desnudo de uma mulher (algo que perpassa do início ao final do filme) se
fazendo girar sob as chamas tal e qual uma carne sacrificial. Talvez no todo, o
que mais chame a atenção é o fato da transposição da obra de Rosa também se dá
em um nível de experimentação com a linguagem cinematográfica que alude, a seu
modo, ao fato do literato ter como uma de suas características mais marcantes
justamente a experimentação no campo literário. Dito isso, e como o próprio
cinema de Godard, a riqueza de tal inventividade também possui uma outra face,
comum a experimentações do gênero, que incluem uma certa autocondescendência e
hermetismo. Finaliza com um lindo plano de um grupo de folguedo popular
cantando uma bela canção. A versão de lançamento conta com 75 minutos.
Cinematográfica Montesclarense/Corisco Filmes/Embrafilme/Zoom Cinematográfica
para Embrafilme. 68 minutos.
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