Filme do Dia: Kuxa Kanema - O Nascimento do Cinema (2003), Margarida Cardoso


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Kuxa Kanema – O Nascimento do Cinema (Portugal/França/Bélgica, 2003). Direção: Margarida Cardoso.

Documentário que efetua a arqueologia da história do cinema em Moçambique, marcada inicialmente pelo projeto de matizes nacionais-populares de levar um cinema produzido por moçambicanos para moçambicanos, a partir da expressão que quer dizer “o nascimento do cinema” que diz respeito o título e proferida pelo carismático líder revolucionário Samora Machel. As imagens iniciais parecem ditar a tônica do rescaldo de um projeto - nacional, de cinema – fracassado, em que as ruínas do Instituto Nacional de Cinema (INC) e as más condições de preservação do acervo, sobretudo as centenas de documentários curtos que levam o título desse documentário, ao longo de dez anos surgem como provas materiais. Ao mesmo tempo que muitas imagens são dedicadas a acompanhar o líder Samora Machel em seus comícios ou encontros com a população (distantes apenas em dimensão das de Amílcar Cabral na Guiné, já que esse não chegou a fruir do poder, tendo sido assassinado antes da independência do país) ou processos empreendidos pela população  como em votação no estilo democracia aberta, em assembleia ou erguendo uma casa ou ainda com professores alfabetizando uma população maciçamente analfabeta; um de seus colaboradores mais ativos, Camilo De Souza, afirma não se tratar de um cinema ideológico, já que a África do Sul exibia material racista em áreas em conflito – numa dessas imagens, a de um massacre com cerca de 800 mortes, preferiu-se não incluir qualquer comentário diante do horror testemunhado, mais que um cinema em luta ideológica com outras ideologias. Também toca no projeto mal-sucedido que Godard tentou empreender de realização de uma TV em que o conteúdo seria gestado pela própria população após um curso técnico a ser ministrado pelo cineasta, observado como delirante ainda à época do documentário por uma autoridade nacional na área – e de Jean Rouch, outro que tentou realizar algo e também não conseguiu, nada é expresso. E, igualmente busca o comentário do cineasta radicado no Brasil, mas nascido em Moçambique, Ruy Guerra, que segundo ele tem uma conversa franca com um dos principais dirigentes afirmando que inevitavelmente haveria choques entre sua postura e as questões culturais que pretendia discutir e as da ideologia do partido.  Também a polêmica experiência do longa de ficção co-produzido com a Iugoslávia O Tempo dos Leopardos é escarnecida pelo cineasta de origem brasileira, Licínio Azevedo, realizador de carreira mais regular no país, pela tentativa de transformar a guerra travada posteriormente com as forças da Rodésia e África do Sul como um elemento exótico ou a diminuindo a um maniqueísmo racial de brancos contra pretos. É interessante a fala da produtora Isabel Noronha, que afirma quando entrou no INC, em 1984, já havia passado a fase de entusiasmo revolucionário e agora tudo tinha que ser modelado dentro de uma estratégia redutora e bipolar, entre os que se encontravam contra (esses chamado de “criminosos” e “bandidos” em populosos comícios pelo líder Machel, assim como publicamente humilhados em falas para lideranças e a população em geral numa escola, por exemplo, devidamente registradas pelo Kuxa Kanema) e a favor de Moçambique no esforço de guerra. Em 1986, com Moçambique tido como o país mais pobre do mundo, e os sonhos de independência afundando  numa guerra sem fim com a África do Sul,  e o cinema cada vez mais em propaganda política, Samora Machel morre em um desastre de avião. O filme se detém na impressionante massa humana que acompanha o cortejo fúnebre de Machel e, mesmo um dos depoentes afirmando ali o fim de uma etapa do país, não se sabe dizer qual seria a próxima, terminando-se o documentário novamente com imagens de Machel como que encerrando o espetáculo, sem que essa outra face do país durante os quase vinte anos que separam essa produção da morte dele  ganhasse concretude - poder-se-ia pensar em censura, embora a produção seja portuguesa e não moçambicana? Falta de tempo ou recursos necessários? Ou simplesmente dificuldade de elaborar sobre o período? Arte France Cinéma/Filmes do Tejo/RTBF/RTP. 52 minutos.


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