Filme do Dia: Desobediência (2003), Licínio Azevedo


DVD Desobediência - Licinio Azevedo


Rosa Castigo (Castigo) vive uma relação conturbado com o marido Zacharias Sodzai (Tomás Sodzai), abusivo, alcóolatra e que não apenas não tem trabalhado como a atrapalha no trabalho e nos afazeres domésticos. Para surpresa de Rosa, Zacharias, que no dia havia impedido as crianças de irem para a escola e mandado trabalharem na roça, suicida-se. A partir de então, a família Sodzai, sobretudo na figura de seu irmão gêmeo, Tomás (Tomás Sodzai), não deixará mais Rosa em paz, acusando-a de se encontrar enfeitiçada e ter sido a responsável pela morte do marido. Sem ajudar aos filhos e roubando objetos da casa de Rosa e a intimidando. Após muitos desentendimentos, todos acatam a ideia de ir a um feiticeiro, que pune por Rosa e afirma que Tomás fora o principal responsável pela morte do irmão, por conta de Zacharias ter dormido com a mulher do mesmo, Isabel (Isabel José). Mesmo com o veredito do feiticeiro, Tomás e sua família não o aceitam e afirmam que foi comprado por Rosa. Segue-se uma decisão judicial, que também é favorável a Rosa. Quando ela retorna a sua casa, no entanto, observa que fora completamente saqueada e fica sabendo que pelos Sodzai. Próxima de ter um filho, ela vai a um hospital na cidade, mas a criança falece.
Esse primeiro longa  de Azevedo, encontra-se distante, em termos técnicos e dramáticos, de seu segundo, Virgem Margarida (2012), embora possuindo em comum o tema da opressão e subjugação feminina. Filmado em vídeo Betacam e falado em tswa com legendas em português, o filme apresenta uma precariedade na lida com os “atores” que se poderia imaginar estarem representando situações próximas das que vivenciaram, mas longe de funcionar a contento e que, de fato, fica-se sabendo mas não através do próprio filme. Sua relação, tal como apresentada pelo filme, mas parece ser a de incentivar a ambiguidade na relação entre o que seria ficcional e documentário, ampliado ainda mais pela inclusão de um filme dentro do filme, algo evocativo da produção iraniana contemporânea e, inclusive, a reação negativa inicial dos que estão sendo filmados. Talvez o que torne sua ousada empreitada, algo problemática, para além das próprias opções estéticas nada interessantes que o acompanham, seja a questão mesmo de não deixar mais claro para o espectador toda a sua relação com o evento real, como o contato deles com a própria equipe, observada apenas quando Tomás Sodzai esbraveja sobre a necessidade dos “brancos” o levarem para um ajuste de contas com Rosa Castigo. Se é espantoso se imaginar que mesmo com toda a sua raiva da cunhada, ele tenha aceitado viver o papel de seu irmão e ex-marido, direcionando inclusive sua fúria que talvez nem se encontrasse tão evidente no falecido, talvez ainda mais seja o fato do projeto todo ter ficado pouco claro em sua cabeça, achando que o filme o beneficiaria e não “repetiria a mesma história” fazendo uso dos mesmos juízes e curandeiro da situação vivida, como ele comenta ao final. Se Azevedo tivesse trazido essa discussão para o próprio filme e não para flashes dentre os créditos finais, teria provocado uma abertura para o real menos controlada que a que tenta impor com seu roteiro. Fica-se com a impressão que o descolamento dos atores envolvidos no projeto é maior e bem mais sério que as divergências apresentadas, talvez de uma forma ficcionalizada, pelo célebre filme de Kiarostami Através das Oliveiras.  Pior ainda se faz o uso de uma trilha sonora, de uma guitarra de acordes prolongados, que além de nada compactuar com o universo que descreve, entra de forma inoportuna em momentos que seriam de teor dramático, como é o caso do enterro, que não pode ser presenciado pela própria mulher ou que os familiares surrupiam seus objetos quando se encontra de mudança. Ou ainda se aliando com a câmera lenta para procurar criar um efeito “bombástico”. E, em um modo algo sinfônico, demonstrando a falta de uma orientação final, quando da espera de ambos os lados pelo veredito final do júri.  Nesse quesito, mesmo que o filme faça o espectador se posicionar diante da viúva e sua mãe, a partir dos abusos que sofre da família do marido morto, tendo como base de apoio essa superstição, é no terreno da mesma superstição que o filme se apoiará igualmente, para tentar resolver a querela, e com o feiticeiro adivinhando completamente tudo do ocorrido. Ébano Multimídia/Cinemate para Marfilmes. 91 minutos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso