Filme do Dia: Alexandria...New York (2004), Youssef Chahine
Alexandria...New
York (Alexandrie...New York, 2004, Egito/França). Direção: Youssef
Chahine. Rot. Original: Youssef Chahine & Khaled Youssef. Fotografia:
Ramses Marzouk. Música:
Yehia El Mougi. Montagem: Rashida Abdel Salam. Dir. de arte: Hamed Hemdan.
Figurinos: Monia Fath Elbab. Com: Mahmoud Hemida, Ahmed Yehia, Youssra, Youssra
El Lozy, Lebleba, Hala Sedki, Magda Al Khattib, Nelly Karim.
Alexander (Yehia), filho de Ginger
(Youssra), tona-se consciente que seu verdadeiro pai é um célebre cineasta
egípcio, Yehia (Hemida), que está sendo homenageado com uma retrospectiva de
sua obra em Nova York. Primeiro bailarino do New York Ballet, Alexander não
pretende se tornar amigo do pai. Ginger procura conciliar os interesses
contando ao filho toda a história de sua paixão por Yehia. Quando estudantes em
Nova York na década de 1940, seu namoro e sua carreira promissora como ator
foram abruptamente interrompidos pelas dificuldades financeiras da família de
Yehia, que necessitava que ele retornasse ao Egito. Ginger, após despontar como
promessa, prostitui-se. Depois casa-se com um ator. O casamento sucumbe
rapidamente e ela reencontra Yehia, com quem tem uma noite de amor que gera
Alexander. Alexander procura o pai para buscar uma reconciliação, mas eles
acabam discutindo, por conta da arrogância de Alexander a respeito de sua
condição como americano e o ferrenho nacionalismo de Yehia.
Chahine demonstra mais uma vez a sua
habitual engenhosidade em mesclar melodrama rasgado e política, com fortes
pitadas autobiográficas. Ainda que o interesse político do realizador em
demonstrar o sentimento ambíguo que nutre pelos Estados Unidos seja tão ou
menos forte que um certo ajuste de contas repleto de ressentimento e
egocentrismo, o filme apresenta uma louvável habilidade no trato com a
narrativa folhetinesca. Chahine não se esquiva do melodramático e kitsch limítrofe do mau gosto, como
nos números de dança – uma tradição do cinema árabe – nas juras de amor eterno
ou na trilha sonora. O resultado final, no entanto, é de uma coerência
envolvente. Seus traços autorais, compondo um universo visual todo próprio,
revelam-se igualmente na mescla constante entre presente e passado, fantasia e
realidade e se a direção de atores se encontra longe de um nível de
interpretação sofisticada, casa-se como uma luva para os propósitos do
cineasta, em que todos os personagens expressam seus sentimentos do modo mais
transparente possível. Enquanto reflexão sobre o auto-centramento crescente dos
Estados Unidos em relação ao resto do mundo, tensão presente ao longo do filme e personificada na relação entre pai
e filho, a quem o pai afirma ter ficado endurecido por sua vivência
americana, o filme faz uma referência,
ao mesmo tempo direta e bela, quando o alter-ego do cineasta compara a suavidade
dos passos de Fred Astaire com a brutalidade de Rambo. Curiosamente, mesmo
utilizando todo um repertório de chavões do melodrama, o filme se recusa a
desfazer o nó do conflito entre pai e filho ao final, sugerindo uma necessidade
de maior reflexão e maturidade, de ambas as partes, como igualmente entre o
Oriente e Ocidente, afastando-se do tom conciliatório e utópico de outra visão
de um cineasta de fora sobre os Estados Unidos efetivou contemporaneamente a
essa produção, Terra da Fartura (2004), de Wim Wenders.
Involuntariamente, o filme espelha o narcisismo do artista que o dirigiu –
chegando ao ponto de incluir a sua homenagem na 50ª edição do Festival de
Cannes além de um improvável discurso particular que o reitor da escola de
teatro americana fez no dia de sua diplomação – que, no entanto, casa bem com o
estilo arrebatado e emocional do filme. O mesmo pode ser dito da
reconstituição, pelo próprio cineasta de sua versão de Salomé, filme que
o seu alter-ego chegara a ficar uns poucos momentos assistindo a realização
antes de ser expulso pelos seguranças, ganhando uma coloração autoral própria
na sua própria insipidez de recursos e até mesmo de atributos coreográficos. O
que há de mais involuntário, certamente, é o retrato de submissão da mulher egípcia,
encarnada pela atual esposa do cineasta. Uma das curiosidades irônicas é o
tributo às avessas a Nova York, numa adaptação da clássica New York, New
York. Ognon Pictures/MISR International Films/France 2 Cinéma/Gimages/Canal
+/CNC/Ciné Cinémas. 128 minutos.
Comentários
Postar um comentário