Filme do Dia: Jules e Jim - Uma Mulher para Dois (1962), François Truffaut


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Jules e Jim - Uma Mulher para Dois (Jules et Jim, França, 1962) Direção: François Truffaut. Rot.Adaptado: F.Truffaut&Jean Gruault, baseado no romance de Henri-Pierre Roché. Fotografia: Raoul Coutard. Música: Georges Delerue. Montagem: Claudine Bouche. Com: Jeanne Moreau, Oskar Werner, Henri Serre, Marie Dubois, Sabine Haudepin, Vanna Urbino.
            Dois amigos, Jules (Werner) e Jim (Serre) vivem uma amizade incomum, em que partilham praticamente tudo, menos as mulheres. Jim faz grande sucesso entre elas, Jules pelo contrário. Certo dia, no entanto, Jules apresenta a Jim a enigmática Catherine (Moreau), e passam a viver uma amizade à três. Ambos se apaixonam por Catherine. Ela vai morar com Jules. Jim e Jules partem para à  I Guerra Mundial e lutam em campos opostos. Quando retorna da guerra, Jim é convidado por Catherine a voltar a morar com eles e sua pequena filha em um vilarejo da província. A cidade os tem por três loucos e Catherine inventa um jogo em que a cidade é que é louca. Catherine é extremamente instável e de personalidade forte. Passa de Jules a Jim de uma hora para outra, além de ter amantes ocasionais e um, mais ou menos fixo. Jim passa a viver com Gilbertte (Dubois), mas não resiste a retornar ao primeiro chamado de Catherine. Ela afirma que Jules é como um irmão agora. Sente falta da inconstância, do perigo, do conflito, na excessiva harmonia em que vivem. Voltam a se relacionar até o dia em que ela acha Jim simplesmente repulsivo, e vai se reconfortar nos braços de Jules, que a ama incondicionalmente. Jim volta a abandonar a cidade. Jules e Catherine reencontram-no anos depois em um cinema em que assistiam a um documentário sobre a queima de livros pelos nazistas. Os três saem para passear no carro novo de Catherine. Param em um local para comer algo. Catherine diz que vai sair com Jim e pede que Jules observe-os. Ela segue com o carro em linha reta e joga-o de um precipício no mar. Ambos morrem. Jules fica triste, mas, ao mesmo tempo, aliviado do enorme espaço e dominação que Catherine impunha a sua vida.
Considerada a obra-prima de Truffaut, o filme apresenta um caprichado roteiro e uma das fotografias mais belas que o cinema já viu (do mestre Coutard), que consegue  com sua tonalidade sépia confundir cenas de ficção com velhas imagens documentais, apresentando também  uma irretocável composição de imagem, como a cena em que Catherine canta acompanhando o amante ocasional. Outra sequência admirável, quando Catherine apresenta a Jim a nova casa dela e de Jules. Porém, apesar de contar com sketches inesquecíveis como logo no início de sua amizade, quando Catherine com um falso bigode e trajada como homem aposta uma corrida em uma ponte e ganha de ambos ou ainda quando ela não para de proclamar uma sequência infinita de marcas de vinho para demonstrar a superioridade do vinho francês sobre a cerveja alemã, o sopro de revitalização em termos de um cinema mais livre e espontâneo, hoje se aproxima mais da tradição humanista de Vigo e Renoir e de certas tendências do cinema clássico francês que Truffaut abominava. Embora valorizando plenamente a linguagem cinematográfica e suas variantes - alternando um prólogo com montagem ultrarrápida com longas tomadas em certas sequências, congelamento e retorno da imagem, o filme hoje parece se afirmar mais enquanto subproduto de uma certa influência literária, romanesca. Sua verve irônica e lúdica aparece em várias passagens do filme, além de em praticamente todos os diálogos e certos comentários do narrador. Em uma sequência em que a paz parece ter triunfado para sempre entre Catherine e Jim, a câmera sobrevoa regozijante o campo que rodeia a casa em que moram, detendo-se abruptamente quando o narrador anuncia a não menos abrupta mudança de estado de espirito de Catherine e retornando ao ponto de partida. O caráter que remete à farsa burlesca também se faz presente na utilização do aposentado recurso da abertura em íris ou na cena em que Jules e Catherine descobrem Jim no cinema e acertam-no com um papelote na cabeça. Porém tal tom farsesco só funciona em certas cenas, em outras soa excessivo ou naif. Truffaut retomaria muito do filme em produções subsequentes como a utilização do retorno da imagem em Noite Americana ou a queima de livros como característica fascista em Fahrenheit 451. Les Films du Carrosse/Sédif Productions. 100 minutos.

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