Filme do Dia: Quando a Mulher Erra (1953), Vittorio De Sica

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Quando a Mulher Erra (Stazione Termini, Itália, 1953). Direção: Vittorio De Sica. Rot. Adaptado: Luigi Chiarini, Cesare Zavattini, Giorgio Prosperi & Truman Capote, a partir do conte de Zavattini. Fotografia: G.R. Aldo. Música: Alessandro Cigonini. Montagem: Eraldo Da Roma & Jean Barker. Dir. de arte: Virgilio Marchi. Figurinos: Christian Dior. Com: Jennifer Jones, Montgomery Clift, Gino Cervi, Richard Beymer, Paolo Stoppa, Nando Bruno, Marcella Genuino, Liliana Gerace, Giuseppe Porelli.
Mary Forbes (Jones) é uma americana atormentada na Estação Termini de Roma, entre a decisão de voltar para o marido, com quem se encontra casada faz 8 anos ou passar a viver com o mais jovem amante, Giovanni (Clift), que inesperadamente surge no terminal ferroviário, no momento em que Mary pega sua bagagem com o sobrinho Paul (Beymer), com destino a Milão. A presença de Giovanni, faz com que ela fraqueje e perca o trem. Após muitos encontros e desencontros na estação, chegando Mary a ser estapeada por Giovanni, tendo inúmeras testemunhas, inclusive o seu sobrinho, o casal se une mais uma vez, após Giovanni praticamente arriscar sua vida, ao cruzar a linha férrea, para encontrar Mary. Enquanto o casal se encontra furtivamente no vagão de um trem, é flagrado pela polícia e o inspetor (Cervi), os libera quando Mary promete que irá pegar o trem para Paris. E é isso o que faz. Giovanni fica até o trem se encontrar em movimento e pula para fora do mesmo.

Esse projeto, com capital hollywoodiano, impõe o seu padrão, tanto em termos de estruturação narrativa-visual, quanto de elenco, interesses e de língua, algo que De Sica conseguira se desvencilhar no bem mais pessoal Ladrões de Bicicleta (1948). O filme ainda se beneficia, sem dúvida, do talento de De Sica na direção de atores e na composição visual clássica, assim como em seu apelo melodramático, instigado pela melodiosa e repetitiva trilha musical (que parece antecipar a de produções posteriores suas tais como Os Girassóis da Rússia), assim como da contraposição entre sentimentos privados e o mundo externo e indiferente aos mesmos- em nenhum momento mais delimitados do que quando Giovanni pouco após vivenciar sua trágica despedida da amada, cai de forma constrangedora na plataforma da estação. Porém, é justamente nessa contraposição que fica patente, de forma quase indelével, uma reprodução em menor escala da submissão italiana ao capital norte-americano em tempos de Plano Marshall. De fato, não apenas todos os personagens italianos que surgem em cena são extremamente secundarizados, quanto a tônica com que são descritos varia de um machismo impertinente, com todos os homens de alguma forma agindo de forma imatura, infantil e agressivamente sexuada em relação a Mary (sendo o caso mais exemplar, o do policial, que faz troça dela ao ser flagrada com o amante no vagão), passando pelo exotismo dos grupos com figurino bastante demarcado e chegando ao máximo de serem motivos da piedade superiora de Mary, que não apenas ajuda uma italiana em apuros, como ainda compra chocolate para suas crianças famintas, no momento de maior explicitação involuntária da relação entre os Estados Unidos e a Itália. Assim, a queda final de Giovanni parece ser o ápice nesse sentido, tornando-o potencialmente não mais que uma “aventura passageira” de uma americana em férias, um tanto aborrecida com sua vidinha cotidiana ao lado do marido, como ela já sinalizara anteiromente. Os próprios atores italianos se tornam igualmente vítimas do processo. Se Lianella Carell, a protagonista feminina do clássico neorrealista de 5 anos antes, surge aparentemente numa ponta não creditada, a Paolo Stoppa, fenomenal ator de caracterizações (sendo uma das mais célebres, o novo-rico destituído de qualquer modo sequer próximo de se assemelhar ao aristocrático em O Leopardo, de Visconti) não se vai além de um constrangedor carregador, que não perde a chance de importunar qualquer mulher não acompanhada e Cervi, que ao menos possui algumas falas, tampouco vai além do investigador que inicialmente aterroriza o casal, afirmando que seu caso irá ao júri. Por mais que algumas dessas representações se aproximem de ironias de De Sica para com a sociedade italiana extremamente moralista – e o caso do colega Rossellini com Bergman pouco antes ainda era bem lembrado – ao surgirem tendo como contraponto o casal anglo-saxão, tendem a reforçar uma postura etnocêntrica tão ou mais evidente que a das luxuosas produções em cores realizadas por Hollywood contemporaneamente na Itália, tais como as dirigidas por Jean Negulesco. Quando se observa retrospectivamente a relação entre gêneros apresentada no filme, se a intenção do realizador era de demarcar a distância da sofisticação de Giovanni do italiano médio, “justificada” de certo modo por sua ascendência anglo-saxã, essa não se concretiza de todo, como quando Giovanni, momentos após afirmar para sua “Maria”, que também é um homem italiano e poderá lhe bater no futuro, concretiza de fato o que afirmara em tom de brincadeira. Mary, por sua vez, apesar do sorriso e face de vitimada típica da sua época, possui a ambiguidade como arma. Se afirma se encontrar disposta a permanecer ao lado do amante, apesar do escândalo que possa decorrer desse envolvimento (e eles chegam a ser flagrados pelos paparazzi de plantão), a determinado momento, quando o juiz lhe indaga se se encontra certa de pegar o trem para Paris, ela não titubeia em afirmar positivamente e ver a acusação rasgada diante de seus olhos. Essa versão é a do próprio realizador, sendo que a lançada no mercado norte-americano sofreu dos cortes efetivados sem qualquer anuência de De Sica pelo produtor David Selznick, possuindo 26 minutos a menos. Columbia Pictures Corp./Produzioni De Sica para Columbia Pictures. 89 minutos.

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