Filme do Dia: Boneca de Carne (1956), Elia Kazan
Boneca de Carne (Baby Doll, EUA, 1956)
Direção: Elia Kazan. Rot.Original: Tenessee Williams.
Fotografia: Boris Kaufman. Música: Kenyon Hopkins. Montagem: Gene Milford. Com:
Karl Malden, Carroll Baker, Eli Wallach,
Mildred Dunnock, Lonny
Chapman, Eades Hogue , Noah Williamson.
No Sul dos EUA, Baby Doll (Baker),
jovem de 19 anos, vive precariamente com o marido Archie Lee (Malden) e sua tia
Rose Comfort (Dunnock) em um antigo casarão em ruínas. A relação entre ambos é
a pior possível já que, por um lado Archie prometera sustentá-la
convenientemente após a morte de seu pai, o que não consegue, devido aos
problemas finançeiros, a falta de ação e problemas com a bebida e, por outro,
Baby Doll não abre mão do pacto pré-nupcial, pelo o qual o casamento só seria
consumado após completar 20 anos, interessando-se por todos os homens que se
aproximam. Cada vez mais ridicularizado na cidade, Archie vinga-se tocando fogo
na máquina de descaroçar algodão de um dos empreendores emergentes na cidade, o
italiano Silva Vacarro (Wallach). Enquanto Vacarro se desespera, a reação da
população é de indiferença, já que muitos também foram prejudicados após a
chegada de Vacarro. Como Archie Lee era o único que não se encontrava presente
na reunião que Vacarro fazia com outros algodoeiros no momento do incêndio, ele
logo passa a ser suspeito. Vacarro se aproxima da casa de Archie Lee, que
eufórico o recebe de braços abertos, partindo depois para procurar uma nova
descaroçadeira de algodão, já que a sua se encontra com defeito. Vacarro, no
entanto, logo torna-se o senhor da situação, substituindo a peça quebrada na
máquina de Archie Lee e continuando a produção. Ao mesmo tempo se aproxima de
Baby Doll, e procura seduzi-la, conseguindo com que assine um documento
comprovando que Archie Lee foi o culpado pelo incêndio - logo no início da
conversa com Vacarro, ela afirma que Archie Lee saíra na noite anterior e
voltara tarde, desmentindo o que o próprio dissera. Porém, quando vai se retirar
da casa, após ter conseguido o documento, recebe o convite de Baby Doll para
dormir no berço em que ela dorme, um dos poucos móveis que restou na casa.
Archie Lee retorna para casa desanimado ao saber que fora traído por Vacarro,
que conseguira a peça que faltava para a máquina. Quando chega em casa, encontra
Baby Doll de camisola e Vacarro, descontando sua fúria em Tia Rose, afirmando
que já faz muito tempo que ela se encontra na casa dele. Vacarro convida tia
Rose para morar com ele. Completamente fora de controle, Archie Lee pega a
espingarda e procura matar Vacarro, que se esconde numa árvore com Baby Doll.
Com a chegada do delegado (Hogue), Vacarro aproveita a ocasião para ir
embora, frustrando tanto os planos de Baby Doll quanto de Tia Rose, enquanto
Archie Lee vai passar a noite na cadeia.
Mais um exemplar
da notável ruptura do cinema americano na década de 50 com temas que apenas
endossavam o american way of life, apresentando um dos retratos mais
cruéis da decadência moral e econômica já vistos na tela. O roteiro, escrito
por Tennessee Williams (uma das figuras de proa nessa conversão do cinema
americano do final dos anos 50 e início de 60), explora com a habitual
habilidade a insegurança e fraqueza de caráter de seus personagens masculinos
contrapostas a mulheres de personalidade forte e grande energia sexual. A cena
em que Doll e Vacarro se encontram no balanço, o apelido de “Big Shot” com que
Doll chama Archie Lee e a satisfação com que Doll e Vacarro se deliciam com o
pão molhado na sopa, demonstram a perversa e pseudo-subterrânea aproximação de
alguns filmes da época com relação ao sexo, talvez mais impactante que a dos
filmes atuais. O conflito final em que os quatro personagens principais se
encontram na sala de jantar possui uma carga de tensão dramática hipnótica que
lembra o ainda mais teatral Quem Tem Medo de Virginia Woolf?(1966), de Mike Nichols. Aqui a teatralidade surge tanto na
valorização dos diálogos sobre o tratamento visual (mesmo com a bela e ensolarada
fotografia de Kaufman) como na interpretação destes, com o pretenso naturalismo
de então soando hoje como mais um desenvolvimento dramatúrgico proveniente do
teatro, assim como no centramento espacial - a maior parte da ação transcorre
na casa de Archie Lee- e temporal - em não mais que dois dias e duas noites. Os
personagens, no entanto, não possuem um maior aprofundamento psicológico e ao
acentuar apenas o lado grotesco deles, Williams parece se aproximar, em certos
ângulos, da atmosfera dos romances naturalistas brasileiros do final do século XIX,
com o autor descrevendo a partir de um patamar moral mais elevado todas as
taras e fraquezas dos mesmos. O final, parece um tanto quanto
truncado, com o desaparecimento inexplicável de Vacarro. Curiosamente, ao
contrário da maior parte dos filmes de então - inclusive das adaptações de
Williams para o cinema - o filme se recusa a apontar soluções ou acenar para um
happy end. Malden e Baker estão
excelentes, ele sendo o retrato da própria frustração paranóica, ela passando
da ingenuidade a mais pura malícia. O mesmo não se pode dizer de Wallach, que
faz um siciliano demasiado caricato. Newtown Productions. 114 minutos.
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