Filme do Dia: A Fita Branca (2009), Michael Haneke
A
Fita Branca (Das Weisse Band – Eine
Deutsche Kindergeschichte, Áustria/Alemanha/França/Itália, 2009). Direção:
Michael Haneke. Rot. Original: Michael Haneke, sob seu próprio argumento.
Fotografia: Christian Berger. Montagem: Monika Willi. Dir. de arte: Anja
Müller. Cenografia: Heike Wolf. Figurinos: Moidele Bickel. Com: Christian
Friedel, Leonie Benesch, Susanne Lothar, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Rainer
Bock, Fion Mutert, Michael Kranz, Burghart Klaußner, Maria-Victoria Dragus,
Leonard Proxauf, Levin Henning, Eddy Grahl, Roxane Duran.
Em meados da década de 1910, uma pacata vila alemã começa a
ser acometida por estranhos acidentes, a partir da queda do cavalo do médico
local (Bock). O rigoroso pastor (Klaußner), pune ocasionalmente seus filhos
fazendo uso de uma fita branca, a quem devem merecer, como representação da
pureza. O médico, após se recuperar da convalescência, afirma que não mais
pretende ter nenhum contato carnal com a mulher (Lothar) que passou a tomar
conta de seus filhos, após a morte de sua esposa, ao mesmo tempo que abusa
sexualmente da filha adolescente, Anna (Duran). A criança com deficiência
mental que é tida como filho bastardo da união de ambos, Karli (Grahl), sofre
uma séria lesão. A Baronesa (Lardi), pretende abandonar o esposo (Tukur), após
as investidas contra sua propriedade e sua família, por um amante que conheceu
no inverno que permaneceu fora. O professor do grupo escolar (Friedel),
apaixona-se por Eva (Benesch), que foi demitida da residência do Barão após os
eventos que atingiram sua propriedade e ganha a promessa de seu pai de que em
um ano poderá se unir ao professor. Porém, antes disso o professor começa a
perceber as articulações que existem entre as diversas tragédias envolvendo a
comunidade, a I Guerra Mundial irrompe, e ele abandona a vila, nunca mais
voltando a encontrar aquelas pessoas.
Pode-se desgostar do caráter algo esquemático com que o
filme apresenta, quase sob o formato de tese, o quanto a afetividade tensa
expressa numa sexualidade destituída de carinho ou numa rigidez castradora vão se
sedimentando sob a forma de uma violência crescente, sobretudo na geração mais
jovem e que vivenciará sua maturidade justamente no auge do período nazista.
Porém, toda a elaboração estilística e narrativa do filme de Haneke se encontra
justamente a serviço dessa empreitada, que se não chega a ser fabular ao nível
de um Dogville tampouco pretende abraçar
um realismo mais convencional, centrado nas motivações dos seus protagonistas.
Assim como outros filmes do realizador, tais como Código Interrompido, a uma pretensão de se tentar retratar a
psicologia coletiva, no caso aqui sobretudo a repressão que, sem outra válvula
de escape possível, explode através de seus elementos mais frágeis. Tudo no
filme, de seus elaborados movimentos de câmera e precisão de timing, que pode ter diversas
significações, como a de ressaltar a ansiedade de quem se submete a tal
atmosfera opressiva através de diversos planos-seqüências que ultrapassam um ou
mesmo dois minutos, da ausência de trilha sonora até a não identificação da
maior parte dos personagens adultos a não ser por sua função social, assim como
sua bela fotografia em preto&branco encontra-se a serviço dessa pretensão
maior. Ainda mais avesso e
emocionalmente distanciado em sua composição do ambiente do que o filme de Von
Trier, que efetiva inclusive um maior diálogo com o melodrama, o filme apenas
exclui da sordidez observada sob o manto da mais tranqüila normalidade o casal
representado pelo professor e sua amada, sendo aquele justamente o narrador da
história (a posteriori, na voz de Ernest Jacobi), sendo nessa opção mais
convencional do que abordagens semelhantes realizadas por Fassbinder ou Von
Trier, que tampouco poupavam seus protagonistas. Haneke demonstra sua intensa
habilidade, uma qualidade também presente nos outros dois cineastas e talvez
fundamental para tais abordagens de pretensões mais abrangentes que a do
realismo convencional, na direção de atores, com vários momentos que poderiam
ser destacados, como é o caso da cena em que o doutor rompe sua relação com a
parteira, exemplar pela contenção dramática com que Lothar expressa toda a
tensão da mesma. Ao contrário de outros filmes seus, como o polêmico Violência Gratuita, tal contenção aqui se
irradia para a recusa da observação dos momentos de tortura. Até mesmo a sova
aplicada pelo rigoroso pastor em seu filho, é apenas ouvida por trás da porta
fechada. O mesmo pode ser dito de outros momentos de grande intensidade
emocional, como o que o marido encontra o cadáver da esposa no leito, mas a
composição da cena apenas nos apresenta fragmentos poucos expressivos de seus
corpos. Palma de Ouro em Cannes. X-Film Creative Pool/Wega Film/Les Films du
Losange/Lucky Red/Canal +. 144 minutos.
Certamente um filme de sugestões, de implicações, um Haneke mais contido (ou menos explícito) e nem por isso menos eficaz. Apesar de não haver uma cena sequer de guerra, acho que o filme merece ser lembrado nas filmografias que tratam indiretamente dos conflitos mundiais do século passado.
ResponderExcluirNão apenas dos conflitos mundiais, mas do ethos de setores de determinadas culturas que os geraram/gestaram.
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